Sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 18 de julho de 2021
Muitas vezes chamada de “a maior democracia do mundo” devido à sua magnitude populacional, a Índia é também o país que mais registrou “apagões” de internet nos últimos anos. Em 2020, foram mais de 150 bloqueios, que responderam por 70% do total global, segundo dados da Access Now, uma organização sem fins lucrativos. Em comparação, o Iêmen aparece em segundo lugar com apenas seis.
A Índia também liderou o ranking de interrupções dos serviços de internet em 2019 e 2018, segundo a mesma pesquisa, com apagões constantes em Jammu e Caxemira, estado de maioria muçulmana e historicamente disputado pela Índia e o vizinho Paquistão. No ano passado, o acesso a serviços de internet 4G chegou a ser totalmente bloqueado na região.
Em quase todos os casos, o governo indiano afirmou que essas medidas foram necessárias para restaurar a lei e a ordem, garantir a segurança nacional ou para evitar agitação social causada pela disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes, mas poucas evidências concretas foram fornecidas para fundamentar essas alegações.
O fato é que a frequência dos bloqueios do sinal de internet na Índia escalou desde 2014, coincidindo com a chegada ao poder do partido nacionalista hindu Barathiya Janatha (BJP), de acordo com dados da plataforma “Internet Shutdown” do Software Freedom Law Center (SFLC) da Índia, que fornece serviços jurídicos de proteção à liberdade no mundo digital.
Além disso, a probabilidade de uma paralisação dos serviços de internet ocorrer em um estado governado pelo BJP, do primeiro-ministro Narendra Modi, é 3,5 vezes maior do que em um estado governado por outro partido, aponta o relatório “Understanding India’s troubling rise in internet shutdowns” (Entendendo o aumento preocupante de paralisações da Internet na Índia), de Kris Ruijgrok, pesquisador da Universidade de Amsterdã.
“A Índia tem uma peculiaridade em termos de desligamento da internet, porque nunca são bloqueios nacionais. Geralmente, apenas uma cidade é afetada ou mesmo um único bairro de uma cidade”, disse Ruijgrok. “E uma das coisas que a minha pesquisa mostra é que esses desligamentos, muitas vezes, são usados como ferramenta política para reprimir a dissidência em um determinado local”, completa.
Manipulação política
Em dezembro de 2019, por exemplo, os estados governados pelo BJP suspenderam a internet em meio a uma repressão aos que protestavam contra a aprovação de uma lei considerada discriminatória por facilitar a concessão de cidadania apenas aos refugiados não muçulmanos de Afeganistão, Paquistão e Bangladesh.
No estado de Uttar Pradesh, governado por um monge nacionalista hindu e onde os protestos foram mais violentos, com cerca de 900 pessoas detidas, as paralisações de internet aconteceram 12 vezes naquele mês, quando também cerca de 30 manifestantes foram mortos.
Algo semelhante ocorreu em janeiro deste ano, quando as autoridades ordenaram a suspensão das conexões de internet na região da capital, Nova Délhi, após intensificação dos protestos de agricultores contra novas regras de desregulamentação do setor. A medida repercutiu até fora do país, depois que personalidades como a cantora pop Rihanna e a ativista pelo clima Greta Thunberg a criticaram abertamente no Twitter.
Da mesma forma, tensões entre hindus e muçulmanos também tendem a resultar em bloqueios dos serviços de internet e são às vezes provocadas deliberadamente por grupos nacionalistas hindus alinhados com o BJP, afirma o pesquisador.
A Suprema Corte da Índia chegou a determinar que o governo deveria ser mais transparente sobre os bloqueios, e as novas regras de TI preveem a criação de uma comissão para analisar cada pedido depois que for feito. Mas a comissão é formada apenas por pessoas ligadas ao Executivo e não há atas das reuniões, logo, “é um processo totalmente opaco”, diz Ruijgrok.