Há quem se leve por jeitos enfadonhos no fazer as coisas da vida acontecerem. Vai por impulso. Costume: “hábito, prática frequente, regular” (Houaiss). Vejo algo de bom nos costumes: eles estabelecem certa rotina, facilitam o cotidiano, oferecem algumas certezas.
Encontro duas coisas ruins: primeiro, eles criam uma armadura mental, as pessoas acabam se resumindo aos hábitos que conhecem; segundo, provocam preguiça existencial, o ramerrão afrouxa a gosto de viver com intensidade.
Essas maneiras aborrecidas de ser têm custo. Não é por acaso que tanta gente compra remédio para temperar o existir: pesquisa da Anvisa constatou que “os
ansiolíticos ou tranquilizantes são os remédios mais vendidos no País, são drogas sintéticas usadas para diminuir a ansiedade e a tensão.”
Segundo o site Saúde, “em 2010 foram vendidas 19.413.710 unidades só de Rivotril, Lexotan e Frontal, um aumento de 38% em comparação com o ano anterior” (editado). No ranking referido, em posições seguidas (4°e 5°lugar) encontram-se antidepressivos.
O site ainda lembra que esses remédios são controlados, utilizados principalmente no tratamento da ansiedade e do estresse, por terem efeito calmante, e agem diretamente no sistema nervoso central. Essas drogas são daquelas com potencial para levar à dependência química; precisam ser
receitadas em formulário específico, que fica retido na farmácia.
O médico pode prescrever um volume máximo suficiente para 60 dias de tratamento. Quer dizer, não são drogas compradas por impulso, destinadas à automedicação. Supostamente houve um exame médico e se constataram
males que justificaram ministrar essas pílulas de alegria. Os quadros clínicos, pois, sabendo o facultativo dos danos colaterais que tais fármacos causam,
devem ser graves. É impressionante a demanda por supressão medicamentosa de tristezas. A esperança é a de eliminar-se quimicamente a condição emocional aflitiva e obter-se um passe para o estado de felicidade.
Está na moda ser feliz. Ideologicamente, contentamento como mercadoria. Não sei se a felicidade química é sustentável. Também suspeito que a supressão forçada da dor psíquica não conduza à felicidade. Essas drogas, a mim me causariam desconforto: eu estaria todo o tempo em que as usasse com medo dos efeitos da sua supressão. Ao ficar sóbrio eu me encontraria novamente comigo e seguramente com a minha angústia supressa. Essa angústia contida me angustiaria como uma assombração.
Creio que felicidade, se não ocorre a boa sorte de se topar com ela, se a edifica. Essa edificação tem preço. Há quem pague por ela mais do que dela recebe. Desconfio que muita gente, ainda que invista um bom valor e receba uma chance de ser feliz, não saberá gozar essa oportunidade. Vai esbarrar nos interditos da sua mentalidade demarcada, não vai ultrapassar suas tediosas contingências moralistas. Gente assim não alcança que talvez nem esteja
infeliz, só mal-acostumada.
Fernando Pessoa: “A arte existe porque a vida não basta”. Vá à arte quando a vida não está bastando. Sobre felicidade, versos do poeta: ‘‘Não se acostume
com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo
errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue’’.