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Inflação e juro alto geram onda de devolução de imóveis e renegociação de crédito da casa própria

O banco passou a exigir um valor de entrada maior dos compradores de imóveis. (Foto: Reprodução)

No início do ano passado, o sonho da casa própria, aguçado pelo isolamento da pandemia, encontrava condições mais favoráveis que as atuais para se concretizar. A taxa básica de juros (Selic) no patamar histórico mais baixo (2% ao ano) favoreceu linhas de crédito imobiliário com juros em torno de 8% ao ano, e novas modalidades de crédito prometiam ampliar o acesso.

Além dos tradicionais financiamentos com juros fixos e Taxa Referencial (TR) em sistemas de amortização SAC ou Price, os bancos passaram a oferecer opções com juros pré-fixados atrelados à inflação medida pelo IPCA (que começou 2021 na casa dos 4,5% em 12 meses) ou ao rendimento da poupança. De lá para cá, tudo isso mudou.

A inflação disparou e forçou o Banco Central a elevar a Selic, que saltou para os atuais 13,75% anuais em pouco mais de um ano. A média dos juros fixos no crédito imobiliário acompanha a escalada e já está também em dois dígitos, em torno de 10%. Os mutuários que tomaram o risco do crédito atrelado ao IPCA ficaram em maus lençóis. O índice acumula alta de 10,07% nos últimos 12 meses.

Com a alta dos juros em meio ao quadro de desemprego e endividamento crescentes e inflação corroendo a renda, muita gente enfrenta agora dificuldades de pagar a prestação da casa própria. É crescente o número de compradores de imóveis na planta que desistem — e pedem o chamado distrato — e de mutuários que tentam renegociar contratos nos bancos, que estão flexíveis como nunca.

Os distratos subiram 16% na comparação entre o registrado de janeiro a maio deste ano e no mesmo período do ano passado, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), com dados do sistema Indicadores Abrainc/Fipe.

O setor de construção diz que o crescimento acompanha a alta das vendas nos últimos anos, mas agentes do mercado imobiliário e especialistas sustentam que os distratos não se intensificaram ainda mais por causa do esforço de bancos e construtoras para dar fôlego aos clientes e minimizar os danos.

Inflação da construção

Pôrto explica que as vendas de imóveis seguem em alta puxadas pelas classes mais altas, que mantiveram renda e poupança na pandemia. Mas o aperto é grande na classe média e entre os compradores de imóveis populares, mais vulneráveis à queda de emprego e renda e à alta dos juros.

A nova lei do distrato, de 2018, aliviou um pouco os prejuízos para as construtoras, que antes tinham que devolver até 90% do valor pago pelos desistentes. Agora, o cliente só tem direito a receber 50% de volta. Ainda assim, o impacto é grande para a estrutura financeira das empresas do setor, que tendem a frear novos lançamentos.

— O segmento econômico, acima do Casa Verde Amarela (programa de habitação social do governo federal que substituiu o Minha Casa Minha Vida), assinou contratos com taxas de juros baixas e agora enfrenta altas. A portabilidade é inexequível — diz Pôrto. — Para evitar o distrato, as corporações estão se mexendo e segurando condições por um tempo para manter o cliente porque ter um ativo parado (o imóvel devolvido) não é bom.

De acordo com os presidentes da Abecip, José Ramos Rocha Neto, e da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Cláudio Hermolin, a maior preocupação para o setor é a disparada dos custos da construção. A inflação do setor foi de 11,66% em 12 meses.

Revisões discretas

Os bancos também estão mais abertos à renegociação, porém de forma discreta. Na Caixa, líder no mercado imobiliário, 120 mil mutuários já fecharam acordo para pagar 75% do valor das prestações por seis meses. Essa possibilidade foi aberta em março, quando a inadimplência atingiu 2,35% da carteira, e vai até dezembro deste ano. Outros 1.500 clientes que tinham financiamento atrelado à inflação, modalidade lançada em 2020, migraram para a correção pela poupança para deter o aumento do saldo devedor com escalada do IPCA.

O Banco do Brasil criou até um canal para iniciar renegociações por meio do WhatsApp. A instituição disse que o percentual de renegociação mensal é de 0,93% da carteira total ativa e que altera a taxa de juros em alguns casos.

O Itaú informou que busca ajudar os clientes a manter a prestação em dia com soluções como incorporação de parcelas atrasadas ao saldo devedor, aumento do prazo do contrato e incentivo à utilização do FGTS para amortização, com redução das parcelas a vencer, nos casos elegíveis.

No Santander, o cliente pode obter seis meses de carência e estender o prazo contratual, respeitando os limites pré-estabelecidos da linha de crédito. Em caso de atraso de até 60 dias, é possível diluir as parcelas ao longo do contrato. O Bradesco informou que está aberto à negociação, mas não deu detalhes das opções.

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