Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de outubro de 2021
País caminha para terceiro ano com reajuste do mínimo sem ganho real.
Foto: José Paulo Lacerda/CNIDas contas públicas ao investimento, do crescimento às aplicações, a inflação que ultrapassou 10% ao ano, algo que não se via desde 2016, vai minando a confiança, encolhendo os desejos de consumo e afetando as decisões das empresas.
De acordo com Lucas Assis, da consultoria Tendências, a inflação já comeu cerca de R$ 11,1 bilhões da massa salarial somente pelo avanço dos preços de janeiro a julho deste ano. E o país já caminha para o terceiro ano seguido sem aumento real do salário mínimo.
Com menor poder de compra, as pessoas consomem menos. Investimentos também são postergados, e a economia demora mais para se recuperar. Isso tem implicações visíveis na vida real. Analistas já estimam ritmo menor de queda no desemprego.
Num primeiro momento, a alta da inflação ajuda o governo a controlar o déficit público. Como produtos e serviços ficam mais caros, o imposto embutido no preço aumenta, elevando a arrecadação. Mas o Brasil gasta mais do que arrecada, e a dívida cresce junto com a inflação.
Nos cálculos do economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, o custo anual do serviço da dívida pública — o que se paga de juros para administrar a dívida — aumentou cerca de R$ 280 bilhões neste ano, com o avanço da inflação e a alta de juros.
O índice estava em 4% no início de 2021 e chegou a 10,25% nos 12 meses encerrados em setembro. No mesmo período, a taxa básica de juros, a Selic, saiu de 2% ao ano para 6,25%, exatamente para conter a inflação
“Diferentemente do passado, nas décadas de 1980 e 1990, quando a grande maioria dos títulos da dívida era indexada a juros pré-fixados (sempre inferiores à inflação), 30% dos títulos hoje são indexados à própria inflação”, explica Klein, especialista em contas públicas.
Ele complementa: “Inflação fora de controle, fora da meta, é sinal de um corpo febril, que está acima do seu ponto de equilíbrio e que precisa de remédios amargos”.
Mais custo para investir
Remédio amargo são os juros mais altos para diminuir o ímpeto de consumo, que já está contido com uma inflação de bens essenciais, difíceis de cortar no orçamento, como energia elétrica, gás de cozinha e alimentos.
“O Banco Central está vindo muito devagar (na elevação dos juros). É como frear o carro numa descida: se você pisa no breque logo, ele para, mas se vai devagarinho, ele continua pegando velocidade, que é o que está acontecendo”, afirma Roberto Troster, da Troster & Associados.
Essa combinação de juros e inflação inibe um movimento de retomada do investimento. Quem pensa em construir uma fábrica, trocar o maquinário para ficar mais produtivo, investir em novos produtos e criar emprego olha os preços e os juros e pensa duas vezes. Somente no primeiro trimestre, o custo para investir no Brasil aumentou 15,8%.
“Quanto mais alta a taxa de juros, menor o crescimento. Com juro alto, o dinheiro fica caro e não dá para investir. As famílias não vão comprar seus bens duráveis, comprar um carro ou máquina de lavar, não vão viajar. A indústria não vai pegar dinheiro caro para investir num cenário de grande incerteza ainda”, explica o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV.
Massa salarial menor
A alta de juros é um dos principais motivos para as consultorias e bancos começarem a estimar o crescimento da economia em 2022 em menos de 1%. “Revisamos nossa projeção de crescimento do PIB de 1,5% para 0,5% em 2022 (em função da taxa de juros mais alta)”, escreveu Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú, ao rever suas projeções em meados do mês passado.
Na média, o mercado reduziu as previsões do desempenho do PIB de 2,5% para 1,56% de janeiro para cá. Por causa disso, a taxa de desemprego, que chegaria a 12% nas previsões do banco, subiu para 12,3%.
“É o pior momento para a volta da inflação. Já estamos com desemprego alto. Ele poderia cair mais rapidamente se a taxa de juros estivesse menor”, lamenta a economista Maria Andréia Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Lucas Assis, também da Tendências, calculou o tamanho da perda do poder de consumo do trabalhador. A inflação comeu cerca de R$ 11,1 bilhões da massa salarial somente pelo avanço dos preços de janeiro a julho deste ano:
“E vamos para o terceiro ano seguido sem aumento real do salário mínimo. Com inflação e desemprego altos, parcela relevante dos trabalhadores não está conseguindo reajuste dos salários (que reponha a inflação). Cenário perfeito para reduzir o poder de barganha.”
Para o trabalhador por conta própria, o impacto vem de todos os lados. A alta de 39,60% da gasolina nos últimos 12 meses reduziu os ganhos e o movimento do motorista de aplicativo Manoel Scooby.
Rodando por Brasília desde 2016, ele nunca viu a gasolina tão alta: o preço médio do combustível bateu R$ 6,40 na última pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Esse custo já fez com que muitos dos seus colegas desistissem de dirigir:
“Antes a gente trabalhava dez horas por dia. Hoje, para fazer o mesmo, é 12 horas. Mas metade fica para a gasolina.”