Terça-feira, 01 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 30 de março de 2025
Em pouco mais de uma década, Jair Bolsonaro (PL) deixou de ser um deputado federal do chamado “baixo clero”, assumiu a Presidência da República na esteira da Operação Lava-Jato e se tornou um dos principais nomes de uma suposta tentativa de golpe de Estado para derrubar seu principal inimigo político da atualidade: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Agora réu no Supremo Tribunal Federal (STF), o político e ex-militar critica métodos e teses que antes defendia: delações premiadas, prisões preventivas prolongadas, atuação de juízes com postura protagonista no processo e a recorrentemente alegada “pesca probatória”, ou seja, quando investigadores buscam provas de forma genérica, sem uma linha clara de apuração, como se procurassem chegar à acusação a qualquer custo.
Dentre as provas apontadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), há delação do tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente. De toda fala de Cid às autoridades, destaca-se uma suposta reunião de Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular a eleição de 2022, que culminou com a vitória de Lula.
Bolsonaro afirmou recentemente em entrevistas que a delação de Cid está repleta de ilegalidades. “A ‘delação’ de Mauro Cid é uma colcha de retalhos repleta de ilegalidades do início ao fim”. O ex-presidente disse que Cid foi pressionado pelo ministro Alexandre de Moraes a assinar a delação.
Em 2016, no entanto, Bolsonaro demonstrava entusiasmo com citações de desafetos em delações na Lava Jato, como a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e a ex-senadora Wanessa Grazziotin (PCdoB-SC). “Tudo pelos pobres e mulheres: Delação revela que comunistas Jandira e Grazziotin cobravam propina por construções do Minha Casa, Minha Vida”, publicou na rede social Twitter (hoje “X”) no dia 18 de junho daquele ano.
Após o período eleitoral de 2018, quando Bolsonaro derrotou o petista Fernando Haddad na corrida presidencial, o capitão da reserva declarou que os que criticavam a Lava Jato estavam contra o País. “Os que hoje se colocam contra ou relativizam a Lava Jato, estão também contra o Brasil e os brasileiros. Todo apoio à operação que está tirando o país das mãos dos que estavam destruindo-o”, declarou em novembro de 2018.
Durante o período eleitoral, Bolsonaro também citou a Lava-Jato em sua campanha ao afirmar que a operação era fundamental no “combate à corrupção”. A operação, desde o começo, em 2014, foi alvo de críticas de advogados e partes sobre, por exemplo, delações sem comprovação de atos ilícitos.
Em outra frente, Bolsonaro também vem criticando a atuação de Alexandre de Moraes, alegando que o ministro do STF conduz a investigação de forma parcial. Desde o início do inquérito, sua defesa apresentou diversos pedidos ao Supremo solicitando o impedimento e a suspeição de Moraes — todos rejeitados até agora.
Por outro lado, o ex-presidente adotava postura oposta em relação ao então juiz Sergio Moro durante a Lava Jato. Elogiado por Bolsonaro, Moro foi nomeado ministro da Justiça no início do governo, em 2019, mesmo diante das críticas de apoiadores e Lula à parcialidade na condução do processo contra o hoje presidente. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal declarou Moro parcial no julgamento do petista — decisão que anulou a condenação e permitiu sua candidatura em 2022.
“Discurso seletivo”
Para o criminalista David Metzker, a seletividade no discurso de Bolsonaro revela um problema maior, que é a normalização da ideia de que garantias processuais são privilégios, e não direitos fundamentais:
“As garantias do processo penal devem ser respeitadas sempre, não importa quem seja o réu, o crime ou o momento político. Quando aceitamos sua violação contra uns, legitimamos que se violem contra todos. O que hoje se denuncia como abuso já era preocupante. E o erro não está em aplicar garantias a quem hoje é acusado — está em tê-las negado a quem antes também precisava delas”.
Outro ponto de contradição no discurso do ex-presidente envolve o que seus aliados passaram a chamar de “pesca probatória”, uma crítica à suposta prática de investigações genéricas, conduzidas sem indícios concretos, em busca de elementos que sustentem a acusação. Bolsonaro e o seu entorno alegam que Moraes estaria repetindo o modus operandi que era criticado na Lava-Jato, produzindo provas de maneira ampla e desordenada, sem delimitação clara dos fatos investigados.
As garantias do processo penal devem ser respeitadas sempre — não importa quem seja o réu, o crime ou o momento político. Quando aceitamos sua violação contra uns, legitimamos que se violem contra todos. O que hoje se denuncia como abuso já era preocupante ontem
A expressão ganhou força no discurso bolsonarista para denunciar supostos abusos do Supremo e da Polícia Federal. No entanto, durante a Operação Lava Jato, esse tipo de abordagem era defendida por setores da direita como um método legítimo de combate à corrupção. Na época, delações premiadas e investigações de caráter amplo eram vistas como ferramentas essenciais para desmantelar esquemas complexos de desvios de recursos públicos.
Na prática, investigações por “pesca probatória” ocorrem quando autoridades iniciam diligências sem fatos específicos ou provas prévias, na expectativa de encontrar algo que incrimine o alvo, o que contraria princípios como o devido processo legal e a presunção de inocência.
A mudança de narrativa revela o duplo padrão adotado por Bolsonaro: o que era considerado diligência legítima contra adversários políticos, agora é rotulado como perseguição quando direcionado a ele e seus aliados. “É mais um caso de seletividade no discurso. As garantias processuais, para quem defende o Estado de Direito, valem para todos, mesmo para os que atacam o sistema judicial”, afirma o criminalista Renato Vieira. (com informações do Estadão Conteúdo)