O controverso inquérito das fake news completou cinco anos em março deste ano e, em breve, alcançará a marca de 2 mil dias em tramitação sob sigilo e sem perspectiva de conclusão.
A investigação aberta de ofício – ou seja, sem provocação do Ministério Público – em março de 2019 é atualmente o 11º inquérito com maior tempo de andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Já são 1.983 dias em curso. A apuração mais antiga na Corte data de 2013, de acordo com informações do painel Corte Aberta.
O inquérito duradouro deriva dos sucessivos pedidos de diligências feitos pelo ministro relator Alexandre de Moraes, que, por consequência, fazem com que os agentes da Polícia Federal (PF) solicitem mais prazo para cumprir as demandas.
A PF argumenta que “trata-se de um inquérito judicial conduzido pelo próprio magistrado, conforme previsto em lei” e que apenas cumpre “diligências específicas autorizadas ou requisitadas pelo ministro relator, para as quais eventualmente se solicita prazo para a conclusão, considerando sua complexidade”.
“As investigações vêm sendo encerradas paulatinamente, à medida em que as diligências das distintas petições são concluídas. Não é atribuição da Polícia Federal encerrar inquérito judicial”, afirmou a corporação em nota.
Os argumentos da PF dão sustentação às críticas feitas por juristas de que Moraes concentra poderes e prerrogativas na condução do caso. As principais ressalvas são de que o ministro é ao mesmo tempo delegado de polícia, procurador e juiz do caso.
Na avaliação do jurista e desembargador aposentado Wálter Maierovitch, a condução do inquérito das fake news deveria ser feita pelo procurador-geral da República.
“Nós não temos um sistema inquisitorial. Isso deveria estar sendo conduzido pelo Ministério Público, o que me parece básico. Nós temos um juiz inquisidor sendo que nós temos um sistema processual e acusatório de partes. O juiz tem que ser um órgão imparcial para evitar que o juiz se apaixone pelas causas”, argumentou.
Já o professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei corrobora as críticas de que Moraes concentra a função de delegado, procurador e juiz, mas pondera que o ministro não inovou ou agiu deliberadamente para assumir tantas prerrogativas. Em sua avaliação, os superpoderes concedidos aos relatores de inquéritos no STF derivam do próprio desenho institucional da Corte. “No Supremo, embora tenha delegado e policiais federais que atuam nos processos, quem comanda a investigação na prática é o relator do inquérito judicial”, disse.
“No caso do mensalão, o Joaquim Barbosa era uma figura que tinha esse papel de liderança na condução do inquérito, que é diferente do que acontece com um juiz de primeiro grau que tem uma investigação iniciada pela polícia e o magistrado apenas reage ao que a polícia pede quando a decisão é necessária”, completou.
Por se tratar de inquérito judicial, cabe a Moraes solicitar diligências e instruir a investigação, duas funções tipicamente exercidas por agentes externos em apurações criminais.
O magistrado ainda acumulou mais poderes no período entre agosto de 2022 e maio de 2024, quando exerceu o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O empoderamento de Moraes com o comando de uma instituição e o processamento de casos sensíveis em outra se tornou alvo de novas críticas após o jornal Folha de S.Paulo revelar que a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, submetida à Presidência de Moraes, produziu relatórios sob medida para serem utilizados no inquérito das fake news em curso no STF.
Em junho de 2020, o STF decidiu por 10 votos a um que o inquérito das fake news segue os ditames da lei. Os ministros avaliaram que as investigações transcorrem legalmente sem violar competências de outros poderes. O único a divergir foi o ministro aposentado Marco Aurélio Mello sob o argumento de que “magistrados não devem instaurar, sem prévia provocação dos órgãos de persecução penal e na fase de investigação não devem ter iniciativa probatória”.
Como o caso tramita em sigilo, é impossível identificar todos os investigados, nem as medidas já tomadas até aqui. Tampouco é possível conhecer os argumentos apresentados pela PF ao pedir o prolongamento do tempo de apuração.
Além da opacidade e do prazo ilimitado, o inquérito segue há cinco anos sem corrigir o suposto vício de origem apontado por juristas críticos ao caso: permitir que uma das supostas vítimas, o próprio ministro Alexandre de Moraes, figure como juiz titular da ação.
A investigação foi instaurada por Dias Toffoli, quando este era presidente do STF, para apurar “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (…) que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.
O ministro se amparou no artigo do regimento interno da Corte que autoriza a instauração de inquérito pelo presidente em caso de “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”.
O professor Rafael Mafei avalia que a interpretação dada pelo STF ao chancelar a investigação foi de que as ameaças aos seus membros eram formas indiretas de atacar a existência da Corte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.