Uma das últimas convocações da Nasa não envolveu físicos, astrônomos ou engenheiros para melhorar as espaçonaves, nem biotecnólogos para descobrir como alimentar astronautas em missões de dois anos — tempo necessário para ir e voltar de Marte.
Para o lançamento da nave Europa Clipper, programado inicialmente para 10 de outubro, que visa explorar a lua gelada Europa, em Júpiter, e determinar se há condições para o desenvolvimento de vida, a NASA abriu pela primeira vez o acesso a 50 “criadores de conteúdo” e influenciadores.
Eles terão acesso aos bastidores do Kennedy Space Center, poderão conversar com os responsáveis pela missão e publicar nas redes sociais sobre o evento.
É um fato inédito que demonstra a necessidade da indústria aeroespacial de manter o interesse público nessa agenda, que depende de aprovações de orçamentos gigantescos anualmente para continuar. Em um “encontro próximo do terceiro tipo”, a “economia espacial” se conecta com a “economia da atenção”.
O esforço não se limita à Nasa. Elon Musk e Jeff Bezos (proprietários da SpaceX e Blue Origin, respectivamente) também intensificaram, em 2024, suas tentativas de liderar a agenda espacial perante a opinião pública. Bezos, fundador da Amazon, concedeu recentemente uma longa entrevista a Tim Dodd, um dos principais streamers do tema, do canal Everyday Astronaut.
Em uma dinâmica na qual os adiamentos são comuns (isso tem ocorrido com a missão tripulada Artemis à Lua, a primeira com astronautas desde o programa Apollo no início dos anos 70, agora adiada para 2025, e que possivelmente será reagendada), Musk anunciou há duas semanas que a SpaceX aproveitará a “janela de proximidade” que ocorre a cada quatro anos para enviar sua Starlink a Marte (sem passageiros) em 2026.
“Se tudo correr bem, os primeiros voos com astronautas acontecerão em 2030”, afirmou o empresário. Será quando ocorrerá novamente uma janela de máxima proximidade com o planeta vermelho.
“A SpaceX já trouxe novidades no início de setembro com a primeira caminhada espacial em um voo comercial em órbita terrestre; e com a decisão da NASA de substituir a Boeing pela empresa de Elon Musk para resgatar os dois astronautas que não conseguiram retornar da estação espacial”, conta Paulo Pascuini, economista, pesquisador do IIEP, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) e especialista em temas espaciais.
Pascuini e Andrés López publicaram este ano um estudo de como o setor espacial como um impulsionador do desenvolvimento empresarial.
“Hoje estamos falando de um setor muito mais resiliente do que no passado, justamente pela decisão da NASA e de outras agências governamentais de abrir espaço para operadores e startups privadas, o que está dinamizando muito mais a corrida espacial, inclusive com importantes contribuições da América Latina e da Argentina em particular”, acrescenta Pascuini.
De acordo com um relatório recente da McKinsey sobre a economia espacial, os investimentos privados nesse setor passaram de US$ 300 milhões em 2012 para US$ 12,5 bilhões no ano passado.
Em várias áreas, os avanços estão acontecendo de forma muito rápida. Um artigo de setembro na Nature explica como o custo de detectar buracos negros vem diminuindo no ritmo da Lei de Moore, originalmente uma previsão para o crescimento da capacidade computacional. Entre 2015 e 2035, estima-se que esse custo cairá de US$ 2 milhões para apenas US$ 2 mil.
No entanto, a história de 2024 que mais atraiu a atenção dos especialistas em gestão foi a decisão da Nasa de substituir a Boeing pela SpaceX no resgate dos astronautas presos no espaço. Analistas do setor veem isso como um símbolo da decadência da tradicional corporação americana (Boeing) e seu substituto por uma mentalidade empreendedora muito mais eficiente e integrada verticalmente (SpaceX).
“A Boeing, sufocada por uma grande burocracia, levou ao extremo sua política de terceirizar pesquisa e desenvolvimento ao redor do mundo”, diz Azeem Azhar, analista do Exponetial View. Por outro lado, a SpaceX, desde sua fundação em 2002, conseguiu reduzir em 90% os custos de lançamento.
O economista dinamarquês Bent Flyvbjerg, uma das maiores autoridades acadêmicas globais em “grandes projetos” (ele já analisou mais de 16 mil), escreveu no ano passado um livro no qual foca na estratégia de verticalização de Musk.
Se tivesse que escolher uma lição de seu livro para o sucesso em grandes projetos, seria a “modularidade”, cuja estrutura icônica se assemelha às peças de Lego. Esses blocos permitem construir brinquedos ultrassofisticados usando os mesmos tijolos, que podem ser fabricados em grande escala.
O economista especialista em megaprojetos acredita que Musk entendeu melhor do que ninguém as vantagens da “modularidade”, o que torna a bem eficienteSpaceX . A Starship, a nave mais potente e pesada já construída, pode transportar entre cinco e 20 vezes mais toneladas de carga para o espaço do que os foguetes anteriores e é um veículo “reutilizável”, projetado para amortizar seu custo em várias missões.
O projeto tem entusiasmado a comunidade global de astrofísicos. Se essa dinâmica funcionar, pode antecipar em uma década o envio de uma nova geração de observatórios espaciais, previsto para as décadas de 2040 ou 2050.