Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 6 de novembro de 2021
A memória da tragédia foi reavivada em Israel com o anúncio feito por uma casa de leilões de Jerusalém de pôr à venda um dispositivo usado para tatuar prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, com um número no antebraço, um dos símbolos mais conhecidos do Holocausto. Um tribunal de Tel Aviv suspendeu, na quarta-feira, o leilão marcado para a próxima terça, a pedido do Centro de Organizações de Sobreviventes da Shoah em Israel.
Os juízes marcaram uma audiência para o dia 16 para decidir se a venda em leilão de artefatos do extermínio de mais de um milhão de judeus do campo de concentração mais notório da Polônia sob ocupação nazista não é apenas “moralmente inaceitável” — como afirma o Museu do Holocausto em Jerusalém — mas também ilegal.
Auschwitz foi o único campo de concentração nazista onde foram tatuados os mais de 6 milhões de judeus e centenas de milhares de ciganos e outras minorias assassinados pelo Terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial. Existem apenas outras duas cópias da máquina de tatuagem que seria levada a leilão em Jerusalém: uma no Museu Médico Militar de São Petersburgo, na Rússia, e outra no memorial criado no mesmo local onde ficava o campo de extermínio na Polônia.
A peça foi fabricada pela empresa alemã de produtos médicos Aesculap e, além de um pequeno manual de instruções, tem conjuntos intercambiáveis de agulhas de tatuagem, que formam uma espécie de selo para carimbar um número em tinta na pele dos prisioneiros.
A casa de leilões Tzolman esperava conseguir entre R$ 191,7 mil e R$ 255,6 mil no leilão, dos quais reservaria 25% para taxas de manutenção. Quando os oficiais de justiça chegaram a sua sede, em Jerusalém, para suspender a venda, a oferta feita virtualmente e pelas chamadas telefônicas estava em cerca de R$ 19 mil.
“Este objeto horrível, do mal, não pode ter um proprietário privado. Sua venda é ilegal e vai contra a doutrina da moralidade pública, pois é prova de crimes cometidos pelos nazistas”, denunciou o advogado David Foher em nome do Centro de Organizações dos Sobreviventes do Holocausto.
A presidente do centro, Colette Vital, também se pronunciou na imprensa israelense contra o leilão da peça “que transformou seres humanos em números para cometer um dos crimes mais cruéis”, e exigiu que ela fosse posta em um museu.
O proprietário da casa de leilão e neto de sobreviventes do Holocausto, Meir Tzolman, argumentou que a intenção do colecionador, não identificado, que se desfazia do item, era que “um dos restos mais chocantes do Holocausto acabasse nas mãos certas e não desaparecesse das páginas da História”.
“Estamos tentando chamar a atenção para esta situação e não procuramos minimizar a tragédia”, disse Tzolman à rádio estatal.
Em Israel, não há legislação específica que impeça a venda de objetos usados durante o Holocausto. Em 2019, um tribunal de Tel Aviv proibiu a venda de uma carta escrita por uma garota morta em um campo de concentração.
“Por uma questão de princípio, o Museu do Holocausto se opõe à existência de um mercado de objetos do Holocausto e não os compra. As muitas doações que recebemos superam os leilões que são organizados esporadicamente. A solução para este problema, no entanto, está na adoção de regras para garantir que estes objetos permaneçam em locais apropriados para estudo, como o museu”, enfatizou o presidente da instituição, Dani Dayan, via Twitter, ainda pedindo à Knesset (o Parlamento israelense) que legislasse sobre o assunto.
A disputa legal que agora reavivou a memória do Holocausto em Israel evoca o livro “O tatuador de Auschwitz”, da escritora australiana Heather Morris. O romance é baseado no testemunho do judeu eslovaco Lale Sokolov, que foi internado no campo de concentração nazista na Polônia em 1942. Em meio a controvérsias sobre sua exatidão, o texto foi descrito por seus editores como “um raro híbrido de biografia e ficção histórica” em declarações ao New York Times.
Para sobreviver, Sokolov teve que tatuar milhares de prisioneiros que entraram no campo, como a eslovaca Gita Furman. Os dois se casaram e foram para a Austrália após a Segunda Guerra Mundial, em uma viagem descrita no texto. Em entrevista à imprensa australiana em 1996, antes de sua morte, o antigo tatuador de Auschwitz admitiu que tinha que trocar favores com os guardas e chefes nazistas do campo para se manter vivo.