É dezembro. A meninada faz provas pra passar de ano. As empresas preparam relatórios. Candidatos a uma vaga na universidade se esforçam pra chegar lá. Eles têm um denominador comum. Precisam mostrar domínio da língua. Como?
“A gramática é um sistema de armadilhas cuidadosamente preparado”, escreveu Ambrose Bierce no início do século 20. Verdade? Talvez. Mas um fato ninguém discute: as regras estão ao alcance de todos. Ao conhecê-las, desarmamos as ciladas uma a uma. E, em vez de nos derrubar, as normas ampliam o espaço de liberdade. Na dúvida, podemos trocar seis por meia dúzia.
Mas, para fazê-lo, precisamos, antes, questionar e, depois, escolher. A propósito, vale lembrar história pra lá de conhecida. O presidente pediu à secretária que marcasse reunião para sexta-feira. Ela interrompeu a anotação e perguntou ao chefe:
— Sexta com x ou com s?
Ele se esquivou:
— Marque para sábado.
Acerca de? Há cerca de? A cerca de?
Ops! Pronúncias iguais, mas grafias e significados pra lá de diferentes. Safar-se incólume de tão delicadas questões exige intimidade com a língua — conhecer classes de palavras e empregos. Quer ver?
Acerca de é locução prepositiva. Locução porque tem mais de uma palavra. Prepositiva porque funciona como preposição. O trio significa sobre, a respeito de: Pronunciou-se acerca da oscilação do dólar. No discurso, o presidente falou acerca do Plano de Vacinação.
Cerca de quer dizer aproximadamente: Recebeu cerca de R$ 500. Na manifestação havia cerca de mil pessoas. Vou esperar cerca de três meses para entrar com pedido de aposentadoria.
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Há cerca de indica contagem de tempo passado (faz aproximadamente): Viajou há cerca de dois meses. A decisão do Senado ocorreu há menos de uma semana. Moro aqui há cerca de 10 anos.
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A cerca de exprime tempo futuro: Viajará daqui a cerca de seis meses. A cerca de dois anos das eleições, candidatos estão em plena campanha.
Acho que? Eu, particularmente, acho que?
Xô, achismo! Com o tal achar, o enunciado fica fraco, inconvincente. Em vez de “Acho que, pós-pandemia, o Brasil entrará num período de crescimento sustentado”, basta “O Brasil, pós-pandemia, entrará num período de crescimento sustentado”. Mais: o particularmente, que costuma acompanhar o verbo molengão, também sobra: (Eu, particularmente, acho que) O Brasil, pós-pandemia, entrará num período de crescimento sustentado.
Acidente? Incidente?
Acidente é fato imprevisto, em geral desastroso: acidente de trânsito, acidente aéreo, acidente que matou 10 pessoas.
Incidente é episódio, atrito, fato de importância menor: incidente diplomático, incidente entre os irmãos, incidente desnecessário.
Afora? A fora?
Afora quer dizer à exceção de, além de, ao longo de: Afora o pai, veio toda a família. Exerceu alguns cargos, afora o de presidente da República. Viajou Brasil afora.
A fora se opõe a de dentro: De dentro a fora.
Agradecer-lhe? Agradecê-lo?
Não seja ingrato. Agradeça. Mas agradeça com classe. Agradecer pede objeto direto de coisa e indireto de pessoa: Agradeceu o presente. Agradeceu ao pai. Agradeceu o presente ao pai. Agradeço ao diretor pela promoção.
Na substituição do alguém pelo pronome, é a vez do lhe: Agradeço-lhe pela colaboração. Agradeço-lhe a atenção. Agradeci-lhe os cuidados com as crianças.
Alto e bom som? Em algo e bom som?
A expressão agradece, mas dispensa a preposição em. Xô! Assim: O Copom anunciou a manutenção dos juros alto e bom som. Proclamou os vencedores alto e bom som. O delegado disse alto e bom som o que pensava do episódio.
Leitor pergunta
Ambos os filhos? Ambos filhos?
Dupla ou trio? Com o numeral, dois é pouco, três é bom. Depois de ambos, o substantivo deve ser antecedido de artigo: ambos os alunos, ambos os países, ambas as provas.