Não foi surpresa: Joe Biden renunciou à candidatura a presidente dos EUA. Pouco restava senão a retirada honrosa, depois da infortunada participação no debate com Trump, quando ele (Biden) vacilou nas respostas, teve lapsos de memória, deixou ideias inconclusas e frases pela metade, sem dizer nada de interessante.
Sim, honrosa, porque ele mediu as circunstâncias e constatou que, naquele contexto, havia bem mais em jogo do que o seu orgulho pessoal. Deve ter pensado e lhe devem ter dito: o maior perigo não é a derrota, mas entregar praticamente de mão beijada o poder do país mais poderoso do mundo a um aventureiro, homem sem escrúpulos, um perigo para a democracia e até – no limite – para a própria civilização.
Vale, então, o risco de enfrentar a disputa eleitoral com um(a) candidato(a) mais enérgico e vibrante, menos fragilizado pela idade, ainda que decente e honrado, ainda que tenha feito um governo íntegro, equilibrado, e bem exercida a tarefa hercúlea de governar um país da complexidade e do poderio americano.
Grande conhecedor do tabuleiro internacional onde havia atuado com desenvoltura, Biden cumpriu com exação e equilíbrio o mandato, os compromissos e as responsabilidades dos EUA no cenário mundial. Reagiu energicamente contra a sanha delinquente de Putin ao invadir, sem nenhuma razão, por simples abuso da força, a vizinha Ucrânia, declarando apoio a Zelenski em todos os fóruns, e mais do que isso, ajudando o país invadido com recursos fartos e armamentos bélicos.
Também não deixou barato o ataque traiçoeiro e covarde do grupo terrorista Hamas a Israel, que causou a atual tragédia no Oriente Médio. E nem ignorou a exorbitância da ação retaliatória do aliado Israel em Gaza – tem sido um fator de contenção aos ímpetos belicosos de Netanyahu.
Nós brasileiros devemos a Biden, uma ação vigorosa que enquadrou a campanha de Bolsonaro para minar a credibilidade das urnas eletrônicas – um dos pilares do esforço preparatório do golpe de Estado. O Departamento de Estado mandou ao Brasil, em duas ocasiões diferentes, delegações para deixar claro: os EUA não aceitariam um questionamento das eleições de 2022, ainda mais sob a alegação pífia e fantasiosa de fraude.
Lula nunca mencionou esse ato – que pode ter sido decisivo e feito a diferença. Ao contrário, aconselhado pela personalidade sabuja e medíocre de Celso Amorim, Lula sempre fez questão de confrontar os EUA com uma atitude hostil, como no Leste Europeu, Oriente Médio, Irã e Venezuela.
Não havendo imprevistos, Biden passa o bastão da candidatura para a vice Kamala Harris. É um desafio e tanto impedir a vitória do falastrão e dar continuidade ao governo democrata. Mas Kamala reúne condições para isso, a começar pelo fato de que é mulher e negra. São de alta significação essas credenciais, em um país onde as questões femininas e raciais sempre estiveram no topo – às vezes dramático – do debate nacional.
Não lhe falta experiência – foi senadora e foi uma vice não apenas muito próxima e leal a Biden, com uma atuação destacada em assuntos relevantes da pauta democrata.