A Lei de Abuso de Autoridade ainda não entrou em vigor, mas muitos juízes já estão tomando decisões com base no texto e essas iniciativas foram criticadas pela própria entidade da categoria. Antes mesmo de a lei entrar em vigor, juízes de várias regiões do País já tomaram mais de 40 decisões com base nas mudanças previstas na nova lei. Ela só começa a valer em janeiro de 2020, mas magistrados alegam que, como a lei foi aprovada, já faz parte do ordenamento jurídico.
Um dos casos ocorreu em Garanhuns, Pernambuco. Uma juíza revogou a prisão preventiva de 12 acusados de integrar uma organização criminosa. Citou o artigo da lei, que diz que é abuso de autoridade manter alguém preso de forma manifestamente ilegal. A juíza Pollyanna Maria Barbosa afirmou que a expressão “manifestamente” é tipo aberto e que a regra será a soltura, ainda que a vítima e a sociedade estejam em risco.
Em Senhor do Bonfim, na Bahia, o juiz Teomar Almeida de Oliveira soltou dois homens presos em flagrante por tráfico de drogas e posse irregular de arma de fogo. Disse que não podia converter as duas prisões em preventivas porque “corria o risco de responder criminalmente”. E destacou: “transformar autoridade em réu e o réu em divindade, com o famoso abuso de autoridade, foi o que escolheu a nossa sociedade”.
O mesmo foi feito em Brasília, pela juíza Nadia Vieira de Mello Ladosky, que concedeu liberdade a um homem detido em flagrante com drogas em sacos plásticos, como haxixe e cocaína.
E a juíza Diana Maria Wanderlei da Silva negou a penhora de bens de um estudante que devia R$ 11,5 mil à Caixa Econômica. Ela escreveu que “a lei previu novos tipos penais, incriminando a conduta do magistrado”, e que “o cenário é de apenas deferir bloqueio de valores do credor após o trânsito em julgado”. Quer dizer, o bloqueio só poderia ser feito no fim do processo.
O Tribunal de Justiça em Brasília negou a penhora em outros 25 casos, entendeu que é crime decretar a indisponibilidade de bens em valores que extrapolem a quantia estimada para pagar a dívida. Entre juízes, o bloqueio de bens é o principal receio, porque a lei não especifica o que seria esse valor excessivo, não há um percentual, uma referência objetiva. A percepção desses magistrados é que a redação da lei deixa mais dúvidas do que respostas, inibindo a atuação da Justiça.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) já questionou, no STF (Supremo Tribunal Federal), 11 artigos da Lei de Abuso de Autoridade. O presidente da AMB afirma que essa lei intimida e amordaça juízes de todo o País.
“Esse efeito intimidatório está gerando isso. Os juízes já sabendo de antemão o que vai acontecer com eles, o risco que estão correndo, eles estão tomando as suas decisões dentro daquilo que lhe compete. Toda a magistratura está assim. Desde a aprovação da lei, há uma intranquilidade geral na magistratura brasileira e nós temos procurado mostrar isso para a sociedade, afirma Jayme de Oliveira, presidente da AMB.
Caberá ao ministro Celso de Mello, sorteado relator, analisar o pedido de liminar. A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) diz que não concorda com as decisões dos juízes. Para a Ajufe, não se pode aplicar uma lei que ainda não está valendo. A associação também critica os artigos aprovados.
“O que nós entendemos que não pode é, por meio de uma lei ordinária, se criar um novo sistema de controle, porque, agora, qual o sistema de controle que se pretende estabelecer? Um sistema de controle pela criminalização da atividade jurisdicional, o juiz pode ser punido criminalmente se decidir de uma maneira, e esse é outro problema, alguns tipos são abertos, e vão gerar algum tipo de discussão. O que não é cabível é se criar mais uma forma de controle pela via da criminalização da atividade jurisdicional”, disse Fernando Mendes, presidente da Ajufe.