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Curiosidades Julgamento de neonazista gaúcho em 2003 determinou como o Brasil vê a liberdade de expressão

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Siegfried Ellwanger (1928-2010) foi um editor de livros antissemitas e de negação do Holocausto. (Foto: Reprodução)

A defesa que um apresentador do podcast Flow fez na última semana de criação de um partido nazista no Brasil causou bastante indignação, levou à saída do autor do comentário do programa e fez ressurgir uma discussão sobre nazismo e limites à liberdade de expressão – levantada principalmente por grupos de direita.

Do ponto de vista do direito brasileiro, no entanto, a Justiça já chegou ao entendimento de que a liberdade de manifestação do pensamento não abarca a defesa do nazismo – na verdade, de nenhum discurso de ódio.

Isso porque, embora a Constituição garanta a liberdade de expressão, ela também garante outros direitos – como a não discriminação e a dignidade da pessoa humana – que são feridos com discursos de ódio.

Um caso específico foi um marco quanto a esse tema. Uma decisão de 2003 do Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou o entendimento da Corte quanto aos limites à liberdade de expressão definidos pela Constituição Brasileira.

O julgamento tratava do caso de Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010), um brasileiro que foi um editor de livros antissemitas e de negação do Holocausto. Castan já havia sido condenado por racismo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas recorreu ao STF, que manteve a condenação.

“O caso foi muito importante pois a Corte chegou a um entendimento sobre dois pontos”, afirma o jurista Celso Lafer, advogado, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e ex-ministro das Relações Internacionais que atuou no julgamento como amicus curiae (convidado a dar seu parecer no tribunal sobre um assunto de grande relevância).

“A primeira que antissemitismo se enquadra como crime de racismo. O segundo ponto foi sobre a amplitude da liberdade de expressão: existe ou não e quais os limites à liberdade de expressão”, diz Lafer, que também é fundador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Embora o julgamento tenha sido sobre o caso específico de Ellwanger, ele teve repercussão geral, ou seja, implicações que vão além do caso e afetam a Justiça como um todo.

Antissemitismo é racismo

Siegfried Ellwanger Castan foi um editor gaúcho que criou uma pequena editora voltada para a publicação de livros antissemitas e de negação do Holocausto.

Ellwanger foi flagrado em uma feira do livro divulgando e comercializando livros que já tinha sido proibido de comercializar por causa de uma condenação anterior por racismo. Ele foi condenado por racismo pelo TJ-RS, mas seu advogado recorreu com o argumento de que “judeus não são uma raça, portanto não haveria crime de racismo” e que “ninguém em específico” foi prejudicado.

Lafer explica, no entanto, como fez em seu parecer sobre o caso, que o crime da prática do racismo, no Brasil, é um crime de mera conduta – ou seja, basta você agir de maneira racista e está cometendo um crime, a Justiça não precisa avaliar o dano efetivo que essa ação causa em alguém específico.

“Eu penso que o sujeito passivo – a vítima – além da comunidade A ou da comunidade B, é a sociedade. Há um dano coletivo que isso gera para sociedade brasileira de não ter uma sociedade pluralista e aberta”, afirma o jurista.

Além disso, explica Lafer, “raça não é um conceito científico, é uma ideia pseudo científica e ultrapassada. Uma análise biológica mostra que não há raças humanas”, explica.

“Ou seja, os judeus não são uma raça, isso é verdade. Mas ninguém é uma raça, somos todos integrantes da espécie humana, e ainda assim existe racismo, o racismo acontece contra certos grupos.”

A discussão é atual – recentemente a atriz Whoopi Goldberg sofreu fortes críticas por dizer em um programa que o “Holocausto não foi sobre raça”. Ela depois se desculpou.

No acórdão que determinou a condenação de Ellwanger, o então ministro do Supremo Maurício Corrêa cita o parecer de Lafer e afirma que discurso antissemita é sim crime de racismo.

Limites

No acórdão sobre a condenação de Ellwanger, o Supremo também deixou claro que, embora a liberdade de manifestação do pensamento seja um direito garantido pela Constituição, ele não é um direito absoluto e há limites morais e jurídicos.

E a legislação, quando define o crime de racismo, deixa bem claro que discurso de ódio é um desses limites pois fere o direito à dignidade humana de quem é alvo desse discurso.

“O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação do racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os direitos contra a honra”, escreveu o ministro Maurício Correa.

Lafer explica conceitos que dão base para esse tipo de entendimento. “O filósofo John Stuart Mill, em sua principal obra, On Liberty (A Liberdade, na versão brasileira), faz uma distinção entre as ações do exercício da liberdade. Aquilo que está voltado para você mesmo e afeta apenas você, você está aberto pro exercício sem limites dessa liberdade. Mas aquilo que afeta os terceiros pode estar circunscrito, não é uma liberdade absoluta”, afirma Lafer.

O jurista explica que a legislação brasileira determina expressamente esses limites em casos de crime contra a honra – calúnia, injúria e difamação –, mas esses crimes definem ações praticadas contra indivíduos determinados, não a um grupo amplo de pessoas.

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