As declarações de Jair Bolsonaro sobre garotas venezuelanas em situação de exploração sexual, por si só, não configuram violação de direitos fundamentais ou danos morais coletivos. Com esse entendimento, Evandro Neiva de Amorim, da 1ª vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal, decidiu pela improcedência da ação civil pública movida contra o ex-presidente da República.
O caso envolve duas situações ocorridas durante a campanha de Bolsonaro pela reeleição à Presidência, há dois anos:
– O uso de imagens de crianças que fizeram um passeio escolar ao Palácio do Planalto. Segundo a acusação, o ex-presidente teria incitado as crianças a fazer gestos de arma com as mãos;
– As declarações de Bolsonaro sobre um encontro com meninas venezuelanas. No relato do ex-presidente sobre o episódio, ele citou a expressão “pintou um clima” e se referiu às meninas como “bonitinhas”.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ingressou com ação contra Bolsonaro pedindo que ele fosse impedido de usar imagens de crianças sem autorização, de incitar gestos violentos e de associar o grupo a situações “com conotação sexual”. Além disso, solicitou ele fosse condenado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 30 milhões.
A defesa do ex-presidente negou irregularidades e sustentou que o MPDFT não apresentou provas de atos ilícitos. Sobre a visita das crianças ao Planalto, os advogados afirmaram que o passeio escolar foi autorizado pelos responsáveis e não teve motivação eleitoral.
Em relação à declaração sobre as meninas migrantes, pontuou que as falas dele foram retiradas do contexto. Apontou ainda que a intenção foi criticar a situação de vulnerabilidade, e não estigmatizar ou discriminar as adolescentes.
Decisão do juiz
Em relação à visita ao Planalto, o magistrado afirmou que documentos apresentados no processo mostram que o passeio foi autorizado pelos responsáveis e que não há prova concreta de que as crianças foram estimuladas a fazer gestos associados à violência.
“Não restou demonstrado, como afirmado na inicial, que o passeio escolar teve conotação eleitoral e que as crianças foram induzidas a realizar gestos de ‘arma’, razão pela qual as alegações do Ministério Público não encontram amparo probatório suficiente a autorizar a condenação do réu”, concluiu.
Quanto às declarações sobre as jovens migrantes, o juiz também considerou que não há bases para as alegações do MPDFT.
“Ao analisar as declarações do réu, fica evidente que a fala, embora infeliz e passível de críticas, foi uma manifestação crítica sobre a situação social e migratória da Venezuela, em um contexto de crise econômica e vulnerabilidade social. A análise das provas não revela, com a robustez necessária a autorizar um decreto condenatório, qualquer intenção deliberada do réu em incitar discriminação ou sugerir conotações sexuais”, ponderou.
“As declarações, por si só, não configuram violação de direitos fundamentais ou danos morais coletivos. Além disso, não foram apresentados elementos suficientes que demonstrem que essas falas causaram um impacto generalizado na sociedade ou comprometeram a dignidade das mencionadas adolescentes migrantes”, completou.
Em relação ao pedido de indenização, entendeu que ele devia ser rejeitado porque não houve ato ilícito nem lesão a direitos das crianças e adolescentes.
“Para que seja configurado o dano moral coletivo, é necessário que se demonstre uma ofensa grave e intolerável aos valores fundamentais da coletividade, conforme a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. No presente caso, a ausência de comprovação de ilicitude nas condutas do réu afasta qualquer possibilidade de condenação por danos morais coletivos”, disse.
“A utilização indevida do instituto de danos morais coletivos, sem a devida comprovação de lesão concreta e grave, configura um desvirtuamento do instituto, conforme reiteradamente apontado pela doutrina e jurisprudência”, escreveu.