A 1ª Vara Federal de Rio Grande, no Litoral Sul gaúcho, condenou um administrador de uma cabanha localizada em Santa Vitória do Palmar por submeter um homem de 71 anos à condição análoga à escravidão.
Em sentença publicada na semana passada, o juiz Adérito Martins Nogueira Júnior observou que a vítima vivia em habitação precária, trabalhava sem folgas e não recebia pagamento há mais de uma década.
O MPF (Ministério Público Federal) alegou que, em junho de 2022, foi realizada uma fiscalização na propriedade rural administrada pelo acusado, momento em que foi flagrada a situação a que um de seus trabalhadores estava submetido desde 2011. O homem atuava como um caseiro e “faz tudo”, não tinha a carteira assinada nem recebia salário.
Segundo o trabalhador, no início das suas atividades, teria sido prometido a ele um salário de R$ 400, que parou de ser pago após dois anos, mesmo que o funcionário executasse suas atividades todos os dias, sem direito a repouso e férias. O administrador da cabanha ainda teria impedido o contato da vítima com familiares e negado o pedido do idoso para deixar o estabelecimento rural. A denúncia ainda alegou que a habitação fornecida ao trabalhador era insalubre, sem que dispusesse de alimentação e cuidados indispensáveis, sobretudo quando a vítima sofreu um acidente de trabalho e precisou passar dias acamada.
Em sua defesa, o administrador da cabanha argumentou que o idoso, na realidade, morava de favor no local, tendo sido acolhido por seu avô. Alegou que o homem trancava sua habitação sempre que deixava o local, o que demonstra que o imóvel era sua moradia, e não um alojamento de empregados. Sustentou que frequentemente levava o senhor para consultas médicas na cidade.
Ao analisar o caso, o juiz observou que o inquérito policial anexado no processo afirmava que o idoso vivia em uma instalação precária, formada por dois cômodos pequenos, sem água, banheiro e móveis para depositar seus pertences. No momento da fiscalização, o trabalhador já estava há mais de dez dias sem realizar a própria higiene pessoal por estar acamado, se vendo obrigado a fazer suas necessidades fisiológicas em um balde quando não tinha forças para chegar ao banheiro. Os alimentos que se encontravam na habitação estavam contaminados por vermes.
O magistrado ainda pontuou que as provas, incluindo o depoimento de um policial que participou da fiscalização, revelaram que o idoso se encontrava em nível de desnutrição tamanho que poderia vir a morrer caso o socorro demorasse mais tempo e que só se manteve vivo porque um pedreiro lhe trazia comida. Nesse período, o acusado vinha pressionando a vítima para que ela voltasse a trabalhar.
De acordo com o juiz, em depoimento, a vítima confirmou os fatos, acrescentando que trabalhava no trato aos animais, na manutenção dos arames e limpeza das cocheiras e que, quatro anos antes da fiscalização, já havia sido instruído pelo médico a encerrar as atividades laborais. Questionado sobre o motivo de ele não ter saído do local, o trabalhador respondeu que tinha a expectativa de receber valores que lhe eram devidos após anos de trabalho e a expectativa de morar em uma casa na cidade, como lhe havia prometido o réu.
O juiz julgou procedente a ação, condenando o réu à pena de três anos e cinco meses de reclusão e pagamento de 92 dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e pela prestação pecuniária de 20 salários mínimos no valor vigente no tempo do pagamento. Cabe recurso ao TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ªRegião).