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Por Redação O Sul | 25 de janeiro de 2023
Com base em diversos documentos e relatos de testemunhas sobre sua participação em torturas, mortes e desaparecimentos à época da ditadura militar, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo condenou três delegados aposentados a pagar, cada um, R$ 1 milhão, devido aos danos morais coletivos sofridos pela sociedade brasileira. O dinheiro vai para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, do Ministério da Justiça.
Os delegados Aparecido Laertes Calandra, o Capitão Ubirajara; David dos Santos Araújo, o Capitão Lisboa; e Dirceu Gravina, o JC, atuaram no Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo, e, conforme o Ministério Público Federal (MPF), participaram da tortura e assassinato de 15 pessoas.
“Os réus, na qualidade de agentes estatais, pertenciam a uma estrutura de polícia política não vinculada ao sistema de Justiça, dotada de recursos humanos e materiais para desenvolver, com liberdade, a repressão às organizações de oposição que atuavam em São Paulo, em 1969, mediante o emprego sistemático e generalizado da tortura como forma de obtenção de informações”, disse a procuradora Ana Letícia Absy nas alegações finais do processo, movido desde 2010.
Tal situação levou à morte de opositores do regime, como a do militante Carlos Nicolau Danielli, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nas mãos de Ubirajara; e a de Joaquim Alencar de Seixas, dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), por parte de Lisboa.
Em sua defesa, os delegados alegaram que não torturaram as vítimas e que todas as mortes ocorreram em tiroteio com os “subversivo-terroristas” ou em locais fornecidos por eles mesmos para tentar a fuga ou o suicídio.
A juíza Diana Brunstei, da 7.ª Vara Cível Federal, concluiu que os delegados causaram “indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”. Ela disse ainda que o assunto ganha “maior relevo” no atual contexto político, “em que a polaridade observada na disputa das últimas eleições ganhou contornos de verdadeira subversão ao resultado proclamado, com a organização de manifestações cujos participantes, embora não representem a maioria da sociedade, pleiteiam a extinção de organismos democraticamente constituídos, com o retorno da ditadura militar”, escreveu.
Pedidos negados
O MPF também havia pedido o cancelamento das aposentadorias e a perda de qualquer cargo público, o que foi negado. avaliação foi a de que, na época, o Estado era “conivente”. As defesas dos delegados não foram localizadas.
Ela ainda citou precedente do Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a possibilidade de responsabilização civil por atos ilícitos cometidos durante o regime militar. Na ocasião, a corte explicou que o benefício previsto pela Lei da Anistia é restrito à esfera penal — no caso de perseguidos políticos, também alcançou as áreas trabalhista e administrativa.
O MPF solicitava que os delegados também fossem condenados a restituir indenizações pagas pela União em razão das mortes e dos desaparecimentos. Mas Diana entendeu que o ressarcimento seria “inconcebível”, pois o Estado foi “conivente com tais ilícitos”. Também não seria possível calcular com precisão o quanto cada réu pagaria.
A magistrada também rejeitou a condenação dos governos federal e estadual a pedir desculpas formais pelos atos. Isso porque o Estado, “há tempos, reconheceu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos no período da ditadura e vem, ao longo dos anos, promovendo diversos atos que visam o resgate e memória da verdade dos fatos ocorridos em tal momento histórico”.
Por fim, o MPF pedia que o governo paulista revelasse os nomes e cargos dos servidores que foram requisitados, designados ou cedidos para atuar no DOI-Codi e especificasse os períodos em que exerceram suas funções no destacamento militar. Diana considerou que o requerimento seria excessivamente genérico e impreciso, “o que dificulta consideravelmente o cumprimento da obrigação”.