Os pontos ou milhagens dos programas de fidelidade de companhias aéreas ostentam natureza patrimonial e possuem valor monetário, caracterizando um direito creditício do titular e, por isso, não há impedimento para a penhora. Assim entendeu a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reformar decisão de primeira instância para autorizar a penhora em nome de um devedor.
Ao fazer o pedido, o credor argumentou que há ampla comercialização de milhas no mercado, o que denota seu conteúdo patrimonial e a facilidade de conversão em dinheiro, sendo que alguns programas de fidelidade possibilitam até mesmo a conversão direta em dinheiro.
A Gol, em resposta, disse que “as milhas não se caracterizam como um direito patrimonial material passível de alienabilidade” e que “inexiste qualquer possibilidade de bloqueio de milhas em razão da proibição da venda pelo regulamento do programa”, alegando que o regulamento do programa proíbe a transferência a terceiros.
Com isso, o juízo de origem negou a penhora das milhas aéreas por considerar uma medida atípica restritiva de direitos, além de não se mostrar adequada ao recebimento do crédito, ante a ausência de mecanismos seguros de conversão em moeda corrente. O TJ-SP adotou entendimento contrário e deferiu, por unanimidade, o pedido do credor.
“De certa forma, referidos pontos possuem valor monetário, na medida em que podem ser trocados por produtos, serviços e/ou benefícios, com conhecido valor de mercado, ou ao menos identificável. Ademais, é certo que existem empresas especializadas que comercializam milhas aéreas”, afirmou o relator, desembargador Marco Fábio Morsello.
Ele destacou que o programa de fidelidade da Gol permite a transferência de milhas entre contas de beneficiários, além de admitir a compra de milhas diretamente no site. Dessa forma, para Morsello, não é possível dizer que as milhas são bonificações pessoais, originadas do vínculo personalíssimo mantido entre o participante e a empresa.
“Resta evidente que os pontos ou milhagens dos programas de fidelidade ostentam natureza patrimonial e possuem valor monetário, caracterizando um direito creditício do titular e, por isso, não há impedimento para a penhora, podendo ser enquadrado como ‘outros direitos’ a que alude o inciso XIII, do artigo 835, do Código de Processo Civil”, disse.
Conforme o relator, a eventual dificuldade para a alienação e conversão em valores não pode impedir a penhora: “As próprias companhias, administradoras dos programas, admitem a aquisição e transferência de milhas, não havendo que se falar em impossibilidade ou dificuldade de liquidação, ficando a cargo do exequente viabilizar meios seguros para essa finalidade, à luz do contraditório e da ampla defesa.”
Além disso, o magistrado afirmou que eventual cláusula de inalienabilidade ou proibição de transferência a terceiros também não é passível de obstar a alienação judicial. “Esta C. Corte já reconheceu como abusiva a cláusula de inalienabilidade inserida em programa de milhagens, exatamente porque é usual a venda e transmissão a terceiros e admitida pelos regulamentos em relação ao prestador de serviço, administrador dos programas.”