Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 4 de janeiro de 2024
Uma sentença da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro extinguiu de uma vez 18 processos patrocinados por um único advogado contra empresas de varejo, entendendo ser caso de “advocacia predatória”. A decisão impôs pagamento de multa e honorários, somando 20% sobre o valor das causas. Como os processos totalizam R$ 8,7 milhões, a penalidade ultrapassa R$ 1,7 milhão.
A decisão foi proferida pelo juiz Marcelo Alexandrino da Costa Santos, da 3ª Vara do Trabalho Trabalhista de Nova Iguaçu (RJ). Os 18 processos foram movidos contra as empresas Via S.A. (Grupo Casas Bahia), Magazine Luiza, Ri-Happy, Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) e Lojas Renner.
A multa foi arbitrada em razão de “conduta processual temerariamente fraudulenta e deliberada alteração da verdade dos fatos”. Para o juiz, “há provas mais do que suficientes para caracterizar a abusividade e a fraudulência das demandas massivamente patrocinadas pelo escritório em desfavor, não apenas da ré, mas também de outras empresas” (processo nº 0100287-31.2020.5.01.0223).
O magistrado descreve em sua sentença as características que definem a “advocacia predatória” para chegar à conclusão de que o caso acumula algumas delas: causas e pedidos muito parecidos a despeito da realidade concreta diversa; distribuição de pedidos em sequência; quantitativos dissociados de fonte de informação e cooptação de testemunhas.
Chamou a atenção do juiz também o valor elevado atribuído aos pedidos, como uma forma de “inflar” as causas. Pedidos semelhantes de outros advogados contra as mesmas empresas chegavam a valores entre R$ 13 mil e R$ 56 mil. Já o “tíquete médio” dos pedidos do advogado penalizado chegou a R$ 484 mil por processo.
Padrão semelhante
A decisão observa que a petição segue um mesmo padrão de outras demandas ajuizadas em várias localidades do país, com alegações genéricas e infundadas sobre horas extras e comissões não pagas, usando informações comprovadamente falsas.
O magistrado determinou a notificação do caso aos centros de inteligência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ), à Corregedoria, juízes e desembargadores do TRT, Ministério Público Federal e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Para o advogado que representou a Via S.A. (Grupo Casas Bahia) na ação, Luciano Mariano, sócio do escritório Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, trata-se de uma decisão exemplar, que reflete uma postura de enfrentamento do setor público e privado contra a advocacia predatória. “A decisão proferida é louvável, e reflete a postura ativa das empresas e do Judiciário no combate da advocacia predatória”, diz Mariano.
Ele destaca que empresas e seus representantes têm adotado estratégias específicas para enfrentamento da advocacia predatória, levantando informações e buscando medidas para neutralizar e coibir essas demandas. Sobre a decisão da 3ª Vara de Nova Iguaçu, ele destaca a atitude do juiz em não apenas extinguir a causa, mas impor penalidades e notificar autoridades.
Segundo Mariano, casos de advocacia predatória trabalhista têm se tornado mais comuns nos últimos três anos, mas a Justiça do Trabalho tem estado atenta e tem acolhido medidas de enfrentamento da advocacia predatória. Em comum, esses têm o alto valor e casos repetitivos. “Eventuais condenações podem trazer um impacto financeiro grande para as empresas”, avalia.
Richard Abecassis, sócio do escritório Fernandes Figueiredo Françoso e Petros Advogados, também destaca que os casos têm se tornado mais comuns nos últimos anos. Ele acredita que o aumento da virtualização da advocacia depois da pandemia acabou facilitando a captação de clientes à distância e ajuizamento de causas em grande escala.
A advocacia massiva, afirma, não é necessariamente predatória, mas é preciso haver um mínimo de análise e consideração das particularidades do caso individual. “A parte muitas vezes nem sabe o que está pedindo”, diz.
A reação da Justiça do Trabalho, acrescenta, tem sido identificar essas demandas repetitivas com uso de bases de dados detalhadas, centros de inteligência nos Tribunais Regionais do Trabalho e até inteligência artificial. “A demanda predatória infla a Justiça e atrapalha os tribunais”, afirma o advogado.