O entendimento de uma nova realidade marcada pelo predomínio das comunicações via redes sociais e avanços exponenciais em novas tecnologias vem desafiando profundamente a sociedade atual. Na educação, por exemplo, a par de inegáveis vantagens advindas da Inteligência Artificial, cientistas alertam para os efeitos negativos da IA sobre a criatividade e a aprendizagem e o perigo que isso pode representar em futuro próximo. Com o enfraquecimento do método da tentativa e erro, as fórmulas prontas comprometem o chamado aprendizado profundo, derivado de muito esforço, no qual a construção do conhecimento é um misto de persistência e curiosidade, atributos menos demandados quando o prato já vem pronto. Essas extraordinárias transformações em novas formas de comunicação também não passam despercebidas em outras áreas do conhecimento, todas submetidas, em maior ou menor escala, a mudanças sem precedentes.
Na política, uma área dialética por excelência, as mídias sociais passaram a ter um papel cada vez mais relevante, impondo aos que ali militam um grande esforço adaptativo, no qual o contato com os eleitores migra substancialmente de padrões tradicionais como o rádio, a televisão e os jornais, para as polifônicas e instáveis leis dos algoritmos, nas quais a fragmentação digital premia quem articula melhor arrojo, criatividade e desenvoltura para navegar nessa nova e desafiadora arena. Contudo, como sempre, esse espaço virtual também traz o risco de ser manipulado pelo engenho humano, da melhor ou da pior maneira. Movidas a “likes”, as redes sociais têm na chamada “lacração” um poderoso instrumento que incentiva a escalada dos chamados “memes”, recortes curtos, mas muito poderosos, de partes do discurso que se quer “viralizar”, gerando lucros por audiência, vigoroso incentivo para exageros retóricos e bizarrices de toda a espécie.
Há, ainda, nesse campo promissor, mas também minado das redes sociais, riscos bem maiores do que inocentes recortes e “memes” circulando por aí. Há, de fato, uma enorme ameaça à própria democracia. Factoides e versões espúrias dos fatos seguem moldando a realidade de muita gente. Age como um vírus de rápido contágio, não respeita nível de escolaridade, e finda seu ciclo de contaminação com o poderoso viés de confirmação. O mundo todo, nessa perspectiva, encontra-se diante de um inédito desafio de como tratar o fenômeno das redes sociais, em seu aspecto disfuncional, suas bolhas e toda uma infraestrutura da fantasia e da mentira a serviço da desinformação manipulativa. Faça uma análise de qualquer evento político de peso ou navegue pela internet. Haverá um cardápio de versões, que vão desde alucinações extraterrenas, até versões atribuindo a duendes as causas em discussão. Isso não seria tão preocupante se os delírios ficassem circunscritos a assuntos triviais. Mas não é o que acontece. De alguns anos para cá, o ecossistema digital passou a ser usado como arma política, mais especificamente para capturar a preferência de eleitores, mesmo e principalmente com o uso massivo da mentira e da desinformação. Os indivíduos num primeiro plano e as massas num segundo estágio passaram a ser alvo de poderosas campanhas de instrumentalização, sem que haja efetiva possibilidade de algum tipo de reflexão.
Esse panorama nos remete à urgente necessidade de conciliar a liberdade de expressão com o direito à informação verdadeira, fundamental para uma vida social em equilíbrio. O perigo da desinformação e da manipulação criminosa, especialmente nas redes sociais, é real e deve ser alvo da atenção da própria mídia, de governos, de órgãos reguladores e das plataformas digitais. Obviamente que é também imperativo proteger a sociedade sem suprimir a liberdade de expressão. Esse esforço deve ser colaborativo, portanto, indo às raízes do problema, promovendo uma estrutura de verificação dos fatos e de responsabilização também on-line dos crimes hoje cometidos, ainda impunes e sujeitos ao triunfo dos memes.
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