Sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Por Luiz Carlos Sanfelice | 20 de março de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
No interior do município de Ijuí – RS tem um lugarejo bem antigo chamado Barreiro e incrustado na “Picada Conceição” que no final do século XIX o Governo mandou ‘abrir’ para encurtar o longo caminho que tinha que ser feito pelo campo aberto entre Cruz Alta e Santo Ângelo. Uma imensa floresta dividia esses campos e mapeado pelos agrimensores estava o alinhamento das terras onde nasceu a cidade de Ijuí que adquiriu o status de ‘Colônia de Ijuhy’ em 1890. Aberta a ‘picada’ foi dado ao longo dela, pedaços de terra para os brasileiros sem-eira-nem-beira que ajudaram a abrir a tal picada.
Logo toda essa região foi sendo ocupada pelos imigrantes italianos, alemães, poloneses e outras etnias que encontraram esse tipo de pessoas vivendo nas mais miseráveis condições, da caça, da pesca, do milho e da mandioca. Sem saber bem como chama-los, tratavam-nos de ‘brasileiros’. Algumas famílias de imigrantes compraram ‘colônias’ nessa picada e um grupo bem heterogêneo se instalou junto à um riacho que se espraiava num determinado ponto e formava um barral (misto de água e terra) que acabaram chamando de Barreiro. E o nome ‘pegou’. Com o tempo os vizinhos se juntaram, construíram uma Capela, uma Escola e lá conviviam e faziam suas festas. Dedicaram a Capela à Na. Sra. da Conceição e daí derivou o nome da estradinha de “Picada Conceição”, mesmo por que não longe dali passava o rio Conceição que nascendo na região de Cruz Alta, atravessava toda àquela floresta e desembocava, quilômetros adiante, no rio Ijuhy, que por sua vez era tributário rio Uruguai.
Os ‘brasileiros’ encontravam emprego junto aos imigrantes e trabalhavam como ‘agregados’. Alguns sem origem, sem nome e sem registro, acabavam adotando o nome do imigrante dono da terra. A maioria porém ficava ‘por isso mesmo’ e só era conhecido pelo nome que em algum tempo alguém lhe dera.
Contudo as famílias dos descendentes de imigrantes que povoaram o Barreiro e muito ajudaram no desenvolvimento de Ijuí se tornaram tradicionais, e nomes como Brum, Ceratti, Cereser, Dalmás, Dezordi, Fiorin, Hickenbich, Lôndero, Manhabosco, Mastella, Menuzzo, Protti, Silvello, Sperandio, Viecilli, Vione e outros, criaram novas gerações e espalharam progresso naquela Terra.
Quando o Engenheiro Luiz Carlos Prestes, militar, revoltado, saiu de Santo Ângelo onde era seu quartel, e formou sua Coluna, ele veio pelo campo e ingressou pela Picada Conceição, evitando propositalmente, passar por Ijuí. Pois embora não existisse nem rádio, nem TV, de alguma forma o povo do Barreiro ficou sabendo que a “Coluna Prestes” estava vindo em direção a eles. Não pra brigar.
Apenas por que a estradinha da Picada Conceição passava por ali. Entre o Barreiro e onde a Picada atravessava o Rio Conceição, distava uns 6 km e um desses ‘brasileiros’ saiu da vila, a passos largos em direção a ponte com a intenção, segundo contavam, de avisar alguns colonos que “o Prestes” vinha vindo. A uns 3 km. do Barreiro o tal ‘brasileiro’ encontra um regular grupo de homens vindo a cavalo e grita: “voltem, voltem, vai haver tiroteio, o Prestes vem vindo”, sem saber que era a própria Coluna.
Pois um dos cavaleiros meio assustado, meio sem saber o que era, dá um tiro de fuzil e mata o pobre coitado. Então, ali mesmo, junto ao tronco de grande Pé de Erva Mate, na beira da estradinha, cavaram uma cova rasa e enterraram o homem. Assim, sem mais nem menos, e seguiram. Essa cova (túmulo) ficava à uns 50 metros da estradinha que entrava para a colônia do meu tio Vitório Brum cuja casa ficava uns 600 metros pra dentro daquela floresta que margeava a Picada.
Depois que a Coluna passou, soube-se do ocorrido. Meu tio foi lá, pôs uma cruz, deu uma ajeitada na terra, fez uma oração e lá ficou ‘o mortinho’. Pois ninguém sabia quem era e se alguém sabia ficou por isso mesmo e o local passou ao longo dos anos a ser referência geográfica: ‘lá no mortinho’, ‘pra cá do mortinho’, ‘perto do mortinho’.
As filhas do meu tio, a Cenira e depois a Nair (Nenê) e a Dora, mais tarde a Maria Cecília e Rosa Maria cristãmente, cuidavam do túmulo. Punham flores, ajeitavam a terra, arrumavam a cruz e os anos passaram. Meus tios já com certa idade, tiveram mais uma menina que chamaram de Elizabeth (a Beth) que chegando à idade Escolar tinha que ir a pé de casa ao Barreiro (uns 3 km) e tinha que passar junto ao “Túmulo do Mortinho” e – sabe como são as coisas e as histórias de almas penadas – Beth atravessava a estrada, passava pelo outro lado, meio correndo sem olhar pros lados e “se mandava” saindo do “raio de influência” do “mortinho”.
Meu tio morreu, as filhas casaram, os matos foram derrubados e um dia toda aquela área virou lavoura de soja e em algum momento o arado do trator passou lavrando pelo túmulo do mortinho, que desapareceu. Registro essa história como parte da história do Barreiro, do seu Povo e da Coluna Prestes. Sempre lembro as palavras de Leonel Brizola ao dizer: “Povo que não tem história, não tem presente, nem terá futuro”.
Na próxima quarta-feira em “Lembranças que ficaram (15)” contarei a história da Fazenda da Grama, local onde Dom Pedro pousava e se banhava, em suas viagens à cavalo entre Rio/SP/Rio. Bonita e curiosa.
Luiz Carlos Sanfelice
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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