Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Luiz Carlos Sanfelice | 3 de abril de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Assim conheci o advogado do diabo
LEOPOLDO HEITOR DE ANDRADE MENDES era o nome do ADVOGADO DO DIABO. Personagem famoso, advogado brilhante, criminalista disputado no RIO, SP e MG. Imagem impactante, pinta de galã “a la Clark Gable”, com enorme preparo. Graduou-se “Summa Cum Laude” e fez doutorado na Sorbonne em Paris, falando fluentemente Inglês e Francês, além de profunda cultura jurídica. Este sim, podia dizer, tinha “notável saber jurídico”. Em abril de 52 acontece no Rio, o crime da Ladeira de Sacopã, em torno da Lagoa, que acabou por envolver um militar (Tenente Bandeira), um Político ‘dos brabos’ (Tenório Cavalcanti”- o “home da ‘Lurdinha e da Capa Preta”- A então super lida revista Manchete e a Cruzeiro, disputavam ‘a facão’ manchetes trepidantes. Heitor absolve o acusado, condena Bandeira e ‘deixa louco’ o Tenório, e ganha enorme fama. Mas eis que chega ao Brasil uma socialite internacional de nome Dana de Teffé. Nascida na Tchecoslováquia, comunista, Dana Edita Fischerova, lindíssima, charmosa, rica, fugiu para Itália e casou com o fascista Ettore Mutti, donde se ‘bandiou’ para a Espanha e casou com Alberto Dias Lopez e dali para o México onde casou com Carlos De Negri. Consta ter sido espiã de alemães, de russos, ingleses e mexicanos. Trajava com perfeição, usava joias de alto valor e era fluente em 6 idiomas além de presença exuberante em qualquer ambiente. No Brasil, casa-se com o Diplomata Manoel de Teffé, neto do Barão de Teffé e bisneto do Conde Von Hoonholtz. Não demora e ela quer se separar de Teffé, mas manter o nome. Sempre dizendo ser perseguida pela contra-espionagem da NKGB. Para cuidar de seu divórcio e de seus interesses, contrata o nome do momento. Leopoldo Heitor, já sob o apelido de Advogado do Diabo.
Viajando de carro para SP onde Heitor havia – lhe conseguido uma posição que lhe daria proteção e segurança, conta Heitor que “foram atacados”, e sob tiros, raptaram Dana, acertaram-lhe um tiro no fêmur direito e sumiram, deixando-o, no escuro, na estrada, sem socorro”, na Via Dutra, em terras do município de Rio Claro.
Começa aí a mais rocambolesca narrativa de marchas e contra marchas, histórias e estórias. Socorrido, a Polícia o acusou e o prendeu, ele alegando ter sido sequestro da contraespionagem; não tinha corpo, sangue só o de sua perna, e acabou tudo virando as mais estrambólicas manchetes na Cruzeiro e na Manchete, sequiosas ‘por sangue’. Os anos vão passando, um pouco preso um pouco solto e Heitor escreve 2 livros que viram autênticos best-sellers na época: “A Cruz do Advogado do Diabo” e “Do Inferno Verde à Cortina de Ferro”, neste narrando sua aventura-fuga atrás de Dana na Tchecoslováquia e sua épica e rocambolesca volta ao Brasil, que incluiu o naufrágio de um veleiro alugado, na costa Uruguaia na altura dos baixios de Punta del Diablo.
O assunto fervilhava. Em Dez 69 início de 70, tinha na Rádio e TV Gaúcha, um programa noturno aos fins de semana, chamado “Quem Tem Medo da Verdade” – atrevido, polêmico, debochado, sem ‘papas na língua’, verdadeiro cemitério de ilusões notáveis. Os coitados dos entrevistados saíam de lá, arrasados. Pois para uns desses programas convidaram o “Advogado do Diabo” acusado da morte de Dana de Teffé. Eu e família, morávamos na rua Pinheiro Borda e naquela noite estava conosco minha cunhada, solteira, 24 anos, e o médico Dr. Sérgio, primo, que nos visitava e juntos começamos a assistir da entrevista do Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, o Advogado do Diabo. Começamos a ficar encantados com o cara: a altíssima qualidade do vocabulário, a infinita riqueza de palavras e expressões, a calma e serenidade dos que tentavam encurralá-lo. Até que não aguentei mais e disse: preciso conhecer esse cara. Pegamos o carro e minha mulher, eu, minha cunhada e o Dr. Sérgio, nos tocamos para a TV Gaúcha. Entramos. Esperamos terminar o programa e abordei ‘O homem”. Dono de uma finíssima e requintada educação, nos atendeu e ficamos conversando. Então convidei-o para estender à noite e fomos à um dos então points de POA, na época a Protásio, acima do Ritz e até a Sherazade, no Bar “Vyscaia” onde entramos madrugada. Encantado em falar com ele, eu não vi, mas “Cupido” flechou o coração dele e de minha cunhada. No dia seguinte ele voltou pro Rio, mas, depois por 3 vezes veio nos visitar sendo que na terceira vez veio num flamante Karmann Ghia, quis conhecer e visitar, respeitosamente, meus sogros e dizer-lhes que estava “roubando-lhes” a filha mais nova. E foi o que aconteceu.
Foram morar no Rio, construíram um enorme e lindo casarão, tiveram 4 filhos. Ele foi à Júri 3 vezes acusado da morte ‘sem corpo’ e ‘sem provas’ e por 3 vezes absolvido. Morreu aos 78 anos, e seus filhos que cursaram Direito herdaram um pujante negócio altamente rentável até hoje. Assim, calmo, em paz, longe dos atropelos que marcaram o início de sua carreira, o “Advogado do Diabo”, partiu serenamente em 2001. Conhecê-lo e conviver com ele foi bom e me deixou um pouco mais culto.
Luiz Carlos Sanfelice, advogado
(e-mail: lcsanfelice@gmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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