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Colunistas Lembranças que ficaram (31)

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

O carro quebrou e o bugio atacou

Viajando junto com meu pai, de Tuparendi para Porto Mauá nas margens do rio Uruguai, nas férias de inverno em julho de 1953, numa bela caminhonete Rural Willys Canadense (tinha Over Drive mas não tinha Tração Dianteira), sob a maior chuva, num barral mole e imenso como eram naquelas estradas naqueles tempos, quebra a ponta de eixo dianteira esquerda e o pneu com roda e tudo sai rolando barro a fora e a caminhonete finca o eixo no chão. Aqueles carros ainda tinham longarinas e eixo dianteiro, logo, não eram monoblocos como são hoje em dia. Era meia tarde e o local era um trecho da estrada que cortava uma floresta, ou seja, mato fechado em ambos os lados. Um barranco de mais ou menos 1 metro de altura. O pai pegou a roda com pneu e desparafusou do eixo o suporte da ponta de eixo quebrada e dali há pouco passou o ônibus que fazia o sentido inverso e foi à Santa Rosa para consertar. Me disse: “Fica cuidando do carro e veja por aí alguma casa de algum colono e peça comida até eu voltar”. Eu tinha 12 pra 13 anos. Dentro da caminhonete tinha 22 malas cheias de miudezas e armarinhos, (meu pai era Caixeiro-Viajante) dei um jeito de livrar o banco de trás para me servir de cama, e sai ‘amassando’ barro até terminar o mato, onde começava uma roça com plantação de milho e avistei a uns 250 metros da estrada uma típica casa de colonos. Apesar dos cachorros fui chegando. Me identifiquei, contei a história do acontecido e me receberam muito bem. Voltei para jantar e após, já escurecendo voltei para “cuidar” da caminhonete, na cara e na coragem, pois nem um canivete eu tinha, quanto mais um 38. Tinha uma chave de fenda, um alicate e um jogo de chaves de boca. A chuva parou e ao todo desde da hora que quebrou até a hora que dormi, devem ter passado não mais do que 4 ou 5 carros. Eu sabia que aquela estradinha era também a rota noturna de contrabandistas que traziam coisas da Argentina ou pra lá levavam.

Nem vi a noite passar e o novo dia amanheceu por inteiro e eu fazendo as refeições com aquela gentil família. Além do ônibus que fazia a linha Santa Rosa-Porto Mauá (via Tuparendi) pouquíssimos carros passaram em ambos os sentidos. Passou o 1º dia e a nova noite chegou e eu na estrada. Me recolhi após o jantar e de dentro da caminhonete, deitado no banco de trás, olhava o céu estrelado no pouco espaço que a floresta permitia. Pois vai daí que por volta das 4:30 da manhã me acordei com “gente” mexendo nas portas, andando em cima do teto, do capô do motor, e “conversando” alto. Naquela escuridão, quase morri de medo. Meu coração quase saltou pela boca. Mas fiquei absolutamente quieto e mesmo não iria conseguir emitir nem um som. Apavorado. Até que de repente vindo do fundo das minhas entranhas, em desespero, comecei a gritar e gritar e a dar pontapés no teto e senti que todo mundo correu e o silêncio apavorante, reinou novamente. Noite escura ainda, sem lanterna, acendi a luz interna e os faróis externos, berrando sempre desatinadamente. Mas tudo silenciou e assim ficou. Mas não mais fechei os olhos até que ficasse suficientemente claro no raiar do dia. Quando deu para enxergar, saí e fui ver. O carro estava todo embarrado mas não pisoteado de gente. Meu Deus – pensei – foram Onças.

Ao chegar na casa do colono para o café, perguntei se tinha onça naqueles matos e se elas atacavam na estrada. “Não, não tem Onça, mas tem muito bugio”. Então entendi a marca das patas e das “mãos” nos vidros e em toda lataria externa. Na tarde desse 3º dia meu pai voltou com a ponta de eixo concertada, e trabalho feito, retomamos a viagem. Foi um susto muito grande.

Com 12 anos você não tem (ou não se tinha na época – 1953) muita noção do tamanho dos riscos e das possibilidades. Só adulto me dei conta do que estive exposto, pois há 70 anos aquela era uma região de colonos gente boa, mas era também a rota de fuga e o refúgio de bandidos e assassinos, nas matas (junto da fronteira com a Argentina) e, seguidamente, a gente ficava sabendo de bandidagens por aquelas bandas e que os criminosos se homiziavam por aquelas matas até conseguirem atravessar para a Argentina – e vive-versa. E assim, escapar da Polícia e da Justiça. Então, mesmo passados anos, você “sente um frio na espinha”…

(Luiz Carlos Sanfelice, Advogado, Auditor – lcsanfelice@gmail.com)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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