O Rio Uruguai, em toda parte Oeste do Estado do RS, faz divisa do Brasil com a Argentina. Historicamente, desde sempre, tem acontecido períodos em que os brasileiros atravessam o rio para ir comprar na Argentina porque em função do câmbio, tudo lá é mais barato, e períodos que todos argentinos vem comprar no Brasil por que aqui é mais barato, de novo em função do câmbio. Me criei em Ijuí (à 100 km da fronteira) e só fui conhecer óleo vegetal na década de 60, assim como só comer pão feito em casa com farinha de trigo nacional. Até então na minha casa sempre se usou Azeite de Oliva Olavina, farinha de trigo 3 Zeros e outras coisas vindas via Argentina. Assim foi no passado e, me parece, continua sendo até hoje. Desde criança nós atravessávamos o rio Uruguai de lancha na localidade de Porto Mauá, do lado de cá e Alba Posse do lado de lá.
Hoje em dia tem grandes Barcas que atravessam grandes caminhões e automóveis. Na década de 60 ainda não tinha Barcas. Lembro que a empresa Olvebra, de chineses, era a sigla de Oliveiras Brasileiras e fora criada focando a plantação de oliveiras para produção de azeitonas e daí para a fabricação de azeite de oliva, mas, no caminho, mudaram a ‘proa do barco’ para a industrialização de soja. Foi o que me contaram na época. Em 1964 a maior parte do ano foi um tempo que os Argentinos vinham aos milhares comprar em Porto Mauá e assim apesar de ser um pequeno vilarejo, tinha grandes (mas grandes mesmo) lojas que vendiam de tudo. O Atacado do meu pai era ‘Distribuidor Autorizado” das Linhas Corrente (J.P. & Coats Co.) e vendia milhares de grosas (uma grosa = 144 peças = 12 dúzias) de carretéis de linhas de costura e bordado. Em outubro de 1964, o ‘seu’ Wagner, empregado do meu pai, e eu, pegamos um caminhão F-350 Baú, lotado com Linhas Corrente e ‘nos tocamos’ para Porto Mauá. Até o fim da tarde tínhamos vendido tudo e fomos para o hotelzinho donde telefonamos pedindo que enviassem mais 500 grosas pelo trem do dia seguinte, até Santa Rosa, para assim podermos prosseguir viagem. Hospedados, banhados e jantados, pedi emprestada, ao dono do hotel, sua canoa para irmos dar ‘umas linhadas’ e ‘tentiar’ pegar algum peixe. Emprestou. Lá por volta das 21 h., uma noite escura como breu, sem lua nenhuma, de lanterna na mão, ‘baixamos âncora’ (uma pedra amarrada numa corda) mais ou menos no meio do rio, que lá tem uns 800 metros de largura. Assim a uns 400 metros da margem ainda no lado brasileiro, sentados cada um numa ponta da canoa, iscamos os anzóis e vez por outra pegávamos uns pintadinhos vagabundos que devolvíamos à água ‘para se criarem’. Enchi o saco e isquei um anzol maior, com chumbada grande, e pensei: vou ‘dar linha’ e pescar na Argentina, e fisgar um belo Dourado ou um Surubi, pensei eu.
Era linha solta, sem caniço. Naquela escuridão fui rodando linha (por cima da cabeça-assim como se rodeia o laço de laçar gado) e cada volta eu largava um pouco – em verdade isso era uma besteira pois que estando no meio rio, tanto fazia largar mais-pra-cá-ou-mais-pra-lá, e a chumbada foi tomando velocidade e assobiando por cima da cabeça (eu numa ponta da canoa e o seu Wagner na outra – uns 5 metros entre nós) quando de repente e naquele silêncio e escuridão, eu ouço um baque e um grito: “LEVEI UM TIRO” gritou o seu Wagner e tombou dentro da canoa. Levei o maior cagaço. Meu Deus… que faço? Peguei a lanterna e logo me dei conta que foi a chumbada da minha linha que atingiu em cheio a cabeça do coitado e ficou desacordado. Rapaz, tive um ataque de riso compulsivo e não conseguia parar de rir…ele se acordou…e eu não parava de rir…Acabou a pescaria e remamos de volta. Ele não disse uma palavra, mas imagino que sua vontade era de me dar uma surra. Desculpe ‘seu’ Wagner. Mil perdões… não queria machucá-lo, mas foi absurdamente cômico…
(Luiz Carlos Sanfelice, advogado jubilado, auditor – lcsanfelice@gmail.com)