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Colunistas Lembranças que ficaram (42): Esquecido na estrada

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(Foto: Freepik)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Durante a semana do V Congresso Eucarístico Nacional, no mês de Outubro de 1948, nós morávamos em Ijuí, mas estávamos em Porto Alegre e meu pai encontrou o “seu” Piching, seu amigo, que tinha uma oficina mecânica, perto da nossa casa em Ijuí. Ele estava de automóvel, um Chevrolet 4 portas preto, 1938. O rio Taquari, na altura da localidade de Porto Mariante, tinha que ser atravessado em Balsa. O local era conhecido como “Passo da Reversa”. É até hoje um rio grande, largo, fundo e meio nervoso.

Como o “nosso” carro iria voltar super lotado, meu pai perguntou ao “seu” Piching se ele podia me levar de carona e combinaram que ele me pegaria na estrada, depois de passar a balsa do Taquari, por que nós sairíamos de madrugada.

Nós chegamos na balsa por volta das 8 da manhã, atravessamos o enorme rio, e uns 2km depois, já do outro lado, mais ou menos no meio do caminho entre o porto da balsa e o povoado “Porto Mariante”, meu pai parou o caro, eu desci com minha mala, ele seguiu, e eu fiquei ali na beira da estrada de areião…Mais ou menos 8h30min…um dia lindo de primavera…sem nenhuma nuvem, mas também sem nenhuma árvore na região. No Sol a pino.

Porto Mariante era um lugar muito conhecido, por que ali tinha os terminais da Shell, da Esso e da Texaco (e que eu me lembre, eram as únicas fornecedoras de combustíveis). Os barcos lotados de gasolina e diesel (óleo cru), vinham direto de Rio Grande, pela Lagoa dos Patos, passavam por Porto Alegre e seguiam pelo Jacuí e depois pelo Taquari e ali bombeavam seu conteúdo para enormes depósitos. Não existia a Refinaria da Petrobras em Canoas. Todos os caminhões tanques do Noroeste, da Região Central , Planalto, Missões, Fronteira Oeste, ali carregavam seus tanques e iam para suas cidades, sem precisar atravessar a balsa e ir até Porto Alegre. Era de fato uma medida inteligente e econômica.

Mas, deixado na beira da estrada por volta das 8h30min da manhã, ali fiquei sentado no relento. E chegou 9 e chegou 9,30 e chegou 10 e chegou 11 e nada de passar o “seu” Piching. Nem “seu” Piching nem ninguém. Não veio nenhum carro, só iam prá lá. Eu então não sabia, mas a lancha havia estragado e a balsa parou acumulando uma enormidade carros de ambos os lados. Quase meio-dia, eu já com fome…com sede e o sol em cima de mim. Para passar o tempo eu cantava, chorava, rezava, dizia palavrões mas tinha que ficar ali e com a mala ao lado. Não podia me afastar da estrada, pois a qualquer momento ele poderia vir. Estava com sede, estava com fome…e nada do “seu” Piching.

Era um pouco passado do meio-dia quando avisto a poeirama na estrada e um bando de automóveis todos meio juntos – assim tipo largada de fórmula 1 – cada um com mais pressa que o outro (haviam perdido a manhã) e sem identificar carro nenhum nem saber definir, apenas ergui o braço…. e ninguém parou.

Me deu medo e dúvida. Se o “seu” Piching passou e não me viu?…ou ele viria na próxima leva da barca?….ou estava ferrado e perdido no meio do nada? … e onde nada conhecia e sem “um puto” tostão no bolso nem nenhum tipo de identidade. Passou mais um tempão e não vinha carro nenhum (a lancha tinha parado de novo). E não tinha jeito…até que anoitecesse eu tinha que ficar ali parado. Nem pedir carona eu podia já que daquela direção não vinha ninguém.

Aí então, coisa já de umas 2 horas da tarde, vejo um automóvel Chevrolet vindo em sentido oposto ao que era esperado, rodando em direção à Porto Alegre. Pensei vou pedir carona para Porto Alegre e voltar para casa de meu tio Lauro onde estivemos hospedados. Fiz sinal, o carro parou e veja…era “seu” Piching voltando por que se lembrou do combinado com meu pai e veio à minha procura. Nervoso com a demora da balsa e com a manhã perdida, se esqueceu de mim (nem me viu na estrada). Tudo resolvido, chegamos em Ijuí, tarde da noite. Não tinha me dado conta do enorme risco a que fiquei exposto. Mas como tudo se resolveu, nem comentei o caso. Anos depois, quando tive consciência do risco, agradeci ao meu Anjo da Guarda.

Luiz Carlos Sanfelice – advogado jubilado, auditor

*lcsanfelice@gmail.com

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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