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Colunistas Lembranças que ficaram (49): como era a vida na colônia

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Cidade de Ijuí antigamente. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Geralmente os núcleos e pequenos povoados e vilarejos começavam a se formar próximo a um grande comerciante, onde construíam uma pequena Capela e, às vezes, os moradores da região conseguiam na cidade mais próxima que viesse um padre ou pastor, pelo menos uma vez por mês, (nem sempre vinham) a cavalo, de bicicleta, motociclo e até mesmo de carro, (os municípios maiores e mais ricos o Padre Vigário tinha um auxiliar que chamavam de Padre Coadjutor) e vinham para fazer todos batizados e todos os casamentos e encomendar a alma de todos os que morreram desde a última vez que lá estivera. Os cemitérios eram, comumente, ao lado das Capelas.

A venda (loja) do comerciante era o ponto de encontro onde os colonos compravam as coisas que não produziam (sal, açúcar, brim riscado, tecidos, xaropes e remédios, ferramentas, velas, querosene para o lampião, fumo em rolo, etc) e, também, onde iam buscar a correspondência de cada um, pois era o endereço que todos davam para receberem cartas.

Na safra, vendiam sua produção (milho, alfafa, feijão preto, feijão branco, aveia, linhaça e outros). Era comum o comerciante fornecer fiado o ano inteiro e, na safra, comprava os produtos dos colonos e assim “fechavam” as contas. Ou o colono vendia prá quem quisesse e depois ia pagar o comerciante, à dinheiro. Em muitas dessas “vendas”, toda semana o comerciante “carneava” um boi velho ou uma vaca ‘faiada’ e vendia a carne para a vizinhança que assim comia carne 2 ou 3 dias (não havia geladeira) e conseguiam desse modo pelo menos nesses 2 ou 3 dias, trocar o cardápio de frango, ou porco, por carne bovina. O porco, também, podia fornecer carne, mas era pouca, pois que ele servia mesmo era para fazer banha, torresmo, salame e “presunto da colônia” (copa).

Todo colono esforçava-se para ter uma vaca de leite, donde ele fazia o queijo, a manteiga, a nata, a “queximia” e a coalhada e ter, também, uma “junta” de bois para puxar o arado e sulcar a terra para a plantação. Todos tinham uma plantação de verduras mais ou menos variada e uma plantação de milho, feijão preto, batata e mandioca. As abóboras e a mandioca braba eram para os porcos. A mulher cuidava da casa, de tirar o leite e produzir derivados, de costurar (se tinha máquina Singer ou similar) e cuidar dos filhos que depois de uma certa idade ajudavam na lides caseiras (debulhar milho, tratar as galinhas, recolher os ovos, tirar leite e, também, na roça).

Não havia luz elétrica. Lembro de um tio que tinha uma dessas “vendas” e ao lado uma serraria e um engenho de milho e descascador de arroz, movidos por uma roda d’água que tocava todos os mecanismos e, inclusive, tocava um gerador de energia, e a casa tinha luz elétrica, mas só luz e rádio. Nada de geladeiras ou chuveiro quente. E lembro de alguns colonos financeiramente ‘remediados’ que se deram ao luxo de ter um rádio a bateria. Anos 30/40.

Um deles, certa ocasião, levando a bateria para carregar, eu vi e ouvi, dizer: “ô ‘vizinho’ vê se põe músicas sortidas na minha bateria, pouca falação, e muita música. Bota valsa, algum tango, uns xotes… na semana que vem venho ‘buscá’ a bateria carregada”. Isso meados dos anos 40 (tempo da guerra, ouvia-se a BBC de Londres em português, a Rádio Belgrano de Buenos Aires e as vezes o Repórter Esso). De um modo geral as famílias eram grandes (5, 10, 15 até 20 filhos). O índice de mortalidade infantil era grande e a idade média dos adultos era baixa.

A despesa mensal do colono era o brim riscado, o sal, o açúcar, algum remédio e ficava por aí. Pão, biscoito, e mantimentos de um modo geral todos tinham sua própria produção… Cigarro feito, era uma raridade – os fumantes faziam os “paieros” – fumo em rolo, picado, cevado e embrulhado em palha de milho. A maioria tinha um parreiral e faziam seu próprio vinho. O calçado de uso diário era o “tamanco” (uma sola de madeira de uns 3,5 cm de grossura e uma tira de couro de um lado a outro na altura da raiz do dedão do pé). Mais simples do que sandália de Capuchinho. Mas era bom.

Uma ou 2 vezes por ano tinha a festa da Capela e então os homens podiam tomar cerveja e as mulheres e crianças bebiam ‘gasosa’. Quando alguém era picado por cobra (te juro que é verdade) nem se preocupavam com vacina antiofídica – mandavam alguém lá na casa do ‘cumprade Vitório’ prá ele ‘fazê uma benzedura prá mordida de cobra’ e esqueciam o assunto, ou daí uns dias morriam culpando a inflamação que deu depois.

E assim viviam nas colônias, os imigrantes e seus descendentes e depois seus filhos e construíram pequenos povoados, que viraram vilas e, depois, cidades. Ijuí, minha terra natal, hoje uma bela cidade, oficializada pela UNESCO como Capital das Etnias, nasceu, mais ou menos, assim e, justo agora em Outubro passado, foi seu aniversário de fundação, e completou 134 anos de existência.

Desde o fim do século XIX até 1950, na colônia, ‘as coisas’ foram sempre mais ou menos assim. Mas depois da 2ª Guerra as mudanças foram rápidas e radicais.

Luiz Carlos Sanfelice, advogado jubilado, auditor

  • lcsanfelice@gmail.com

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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