Na década de 50 e 60, depois do Ginásio (4 anos) que era dividido em 4 Séries, designado como 1º ciclo do Curso Secundário, que por sua vez era a sequência do Primário, dividido em 5 anos, sendo o 5º conhecido como Admissão, vinha o 2º ciclo do Curso Secundário.
O Segundo Ciclo já mais ou menos definia a carreira profissional do aluno, conduzindo os cursos para a carreira pretendida pelo aluno. Esse 2º ciclo compreendia 3 anos de estudos direcionados para uma profissão e eram o chamado Curso Científico que orientava para as Faculdades de Medicina, Engenharia, Arquitetura, Geologia, Biologia, Agronomia e Veterinária. O Curso Clássico direcionava para as Faculdades de Direito, Filosofia, Ciências e Letras. O Curso Normal que formava Professores em nível técnico, frequentado quase 100% por moças, o Curso de Técnico em Contabilidade que habilitava os jovens a profissão de Contador e lhes proporcionava a possibilidade de cursar a Faculdade Economia, de Administração de Empresas e de Ciências Contábeis e Atuariais. O Curso Preparatório de Cadetes do Exército que ao final já os encaminhava diretamente à Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Outras opções como para a Marinha, para a Aeronáutica, para a Escola de Sargentos das Armas ou para a Brigada Militar. Era assim que funcionava e eram essas as opções dos jovens da época. Terminado o Ginásio, resolvi fazer o Científico. Dentre as muitas matérias que compunham o currículo, éramos obrigados a estudar 3 diferentes idiomas: Inglês, Francês e Espanhol.
Apesar de estarmos no Rio Grande do Sul, familiarizados com a língua espanhola, no Colégio que eu fazia o Científico, não muito longe da fronteira com a Argentina, estranhamente a Direção tinha dificuldade em conseguir um Professor para dar aulas de Espanhol. Só conseguiam soluções paliativas e a todo momento trocava de Professor.
Mas um dia uma família argentina mudou para a cidade e o Colégio foi atrás do cidadão chefe dessa família e meio que forçou ele aceitar ser professor de espanhol, mesmo que não se preocupasse muito com a gramática da língua e focasse mais na conversação e conhecimento do vocabulário, que embora muito parecido na sua maioria de palavras, tem algumas que são bem diferentes. Por exemplo: a palavra ‘nada’ em espanhol é ‘nada’ em português, mas a ‘nadie’ em espanhol é ‘ninguém’ em português, assim como guarda chuva, em espanhol é ‘paráguas’. Como ‘um pouco’ em espanhol é ‘un rato’.
O tal cidadão era um comerciante, um pouco rude, sem muito polimento e com uma cultura geral que deixava a desejar, mas logo ‘de cara’ ele ensinou uma observação básica (que muita gente que ‘fala’ espanhol não se dá conta). Em espanhol não existe “ó” nem “é”. Todos são sempre pronunciados como se tivessem acento circunflexo: ‘ô’ e ‘ê’. Foi importante saber. Então veio nos dar aulas, e embora todos alunos aceitassem as aulas, ninguém simpatizou muito com a falta de polimento dele. Na década de 50, os alunos eram sempre muito respeitosos e jamais discutiam com um professor.
Vai que um dia, como tema de casa, entre outras coisas, ele mandou que fizéssemos uma frase com a palavra “hombre” (homem). Na aula seguinte, assim como todos demais, entreguei meu caderno de espanhol e entre as tarefas do ‘tema de casa’ lá estava minha frase com a dita palavra, assim escrita: “El hombre es el único animal racional”.
Prá quê… o ‘cara’ ficou insultado e me reprendeu severamente (até meio que grosseiramente) dizendo que se tinha algum animal ali, era eu, por que ele era gente, ele não era um animal, que eu considerava meus colegas ‘animais’… nossa! … fez um discurso. Primeiro fiquei chocado e meio paralisado. Ao final da reprimenda levantei (a gente se levantava para se dirigir ao Professor) e ‘meio que p… da cara’ disse: Professor; pelo que sei e estudei só existem 3 Reinos sobre a Terra: O Reino Animal, o Vegetal e o Mineral. Eu não sou uma pedra, nem sou uma laranja, o Sr. por acaso é uma cenoura?” Meu Deus… a classe inteira não se conteve e literalmente explodiu numa gargalhada… o que ‘despertou o demônio’ no Professor. Gritou, esbravejou, destratou, veio pra cima de mim e só não me bateu por que a classe impediu. A barulheira e a gritaria chamou a atenção e veio o Diretor, outros Professores e depois de uma meia hora os ânimos se acalmaram. Não fui punido e o semestre seguiu, mas o tal Professor, que logo pegou o apelido de “cenoura”, nunca mais apareceu.
Coisas da vida…acontecem… que se há de fazer.
* Luiz Carlos Sanfelice – lcsanfelice@gmail.com