Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Luiz Carlos Sanfelice | 31 de janeiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Todo mundo conhece a expressão que se usa quando o assunto fica muito sério, perigoso e o desfecho está perto: “É agora que a Onça vai beber água”. Pois é: meu pai tinha um amigo chamado Rafael Moreno, conhecido pelo apelido de Faéco que tinha uma grande Olaria em Campo Novo, perto de Três Passos-RS. Lá por volta de 1953 eu estava então com 12 anos de idade, quando eles combinaram uma caçada de pombas carijós lá nas terras de seu amigo, pois lá tinha demais. E as tais Pombas Carijós, enormes, quase uma galinha, era um petisco tipo “faisão de pobre”. Dito e feito. Num domingo de madrugada fomos pra lá e bem recebidos pelo Faéco que nos aguardava com apreço. Os homens foram caçar e a gurizada ficou ali pela Olaria vendo o maquinário. Seguido ouvia-se de longe, tiros de espingarda. Dois empregados da Olaria prepararam o churrasco e as mulheres as saladas e passado um pouco do meio-dia os caçadores voltaram com um monte de pombas.
Depois da churrascada, lá pela meia tarde o filho mais velho do Faéco, de apelido Nenê (nunca soube seu nome) nos convidou para conhecer a cachoeira do Turvo. Eu nem imaginava o que ia ver. Na sua simplicidade ele só nos disse que era uma cascata grande. Depois eu fiquei sabendo onde andamos e o que vimos. Era uma imensa floresta, acho que chamava de parque ou reserva do Turvo ou da Guarita, intocada, cortada pelo caudaloso e grande rio Turvo.
Ele pegou um grande trator da Olaria e a gurizada (uns 8) nos penduramos à volta, meio que de qualquer jeito, e lá fomos nós. Na entrada da floresta ele parou, nós descemos e atravessamos a mata guiados por ele. Chegamos na margem do rio na base da cachoeira gigantesca e que não era apenas uma queda, mas diversas quedas sucessivas que despencavam em lances de 10, 15 ou 20 metros acho que no total somando uns 150 metros do início da queda e seguia, após, uma longa corredeira até as águas voltarem ao leito normal (tipo uma escadaria de um gigantesco desmoronamento). Meu Deus!… Que coisa mais linda e assustadora.
Floresta fechada e quase impenetrável que ‘abraçava’ todo rio e toda aquela região, e que olhando hoje pelo Google Heart, me parece parcialmente ocupada por lavouras embora a mata ciliar seja ainda abundante e grande. Foi um impacto visual maravilhoso, para mim, tão grande quanto conhecer as Cataratas da Foz do Iguaçu ou o Salto de Yucumã, mas o “impacto visual extraordinário” não ficou por aí – pois logo levamos um enorme cagaço (o maior da minha vida, até agora) – e não literalmente, mas quase me borrei todo, pois nada menos que uma Onça, no meio do mato, a não mais de 10 metros de nós, estava nos olhando…quieta. Petrificados ficamos olhando, quietos. Ninguém se mexeu ou moveu um dedo sequer, nem nada disse. Ela olhou… olhou… por uns 2 minutos..(que foi uma eternidade) se virou e foi embora… Depois que os joelhos pararam de tremer e conferimos que nenhum dos guris precisava tomar banho e lavar as cuecas – todos nós, em total silêncio… devagarito tomamos o rumo…sem dar um pio. Nossa Senhora!!… Quanta emoção e adrenalina. Quando saímos da floresta e chegamos ao trator, “o efeito onça” tomou conta: 3 ou 4 começaram a chorar convulsivamente, outro vomitava feito bêbado, outros gritavam feito loucos. Ficamos nesse estado emocional por uns 10 minutos. Subimos no trator e voltamos, quietos. Contamos a história…e finalmente todo mundo riu…Vocês nem imaginam o tamanho do susto, do medo e da emoção.
Soube, recentemente, que ainda hoje em dia, onças habitam aquelas matas e tem merecido proteção das autoridades e dos produtores e granjeiros da região, muito embora, vez por outra, algum deles perca um boi, ou uma vaca ou um terneiro para uma onça. Mas aprenderam a conviver. Mas ‘para a eternidade’ ficou a lembrança que, se teve uma ocasião que a palavra ‘cagaço’ teve seu pleno significado, foi aquela. Se tivesse um relógio medindo o tamanho do medo, o ponteiro teria ido ao limite do fundo da escala. Foi isso há 71 anos, mas a cena é ainda tão presente na minha cabeça como se tivesse sido ontem. A lembrança de ter visto de perto um animal tão lindo e assustador, ainda emociona.
Na edição da semana que vem de “LEMBRANÇAS QUE FICARAM 8, contarei a incrível história – e que história – de vida, vicissitudes e superação do Vilmar Antônio. Impressionante.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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