A liberação de R$ 30 bilhões de recursos do FGTS para os trabalhadores, prevista pelo governo para após o carnaval, não deve provocar um grande impulso no consumo das famílias nem mudar o cenário de quase estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) esperado para este ano.
Os fatores que jogam contra essa alavanca na atividade são a inflação em 12 meses na casa de 10% e o endividamento recorde das famílias, segundo dados do Banco Central.
Do total a ser liberado, R$ 20,9 bilhões devem ser direcionados para consumo e o restante para pagamento de dívidas, apontam cálculos do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes.
Ele chegou a essas cifras levando em conta os dados históricos de como as famílias reagiram à liberação de recursos extras do FGTS no passado. Também considerou o nível de endividamento atual, da ordem de 33% da renda familiar.
“Se a liberação desses recursos for vinculada ao pagamento de dívidas, a medida pode beneficiar o consumo no longo prazo de forma sustentável”, afirma o economista. Mas, se não houver um direcionamento, a sua avaliação é de que essa cifra não fará o comércio bombar, porque a inflação em níveis elevados vai corroer boa parte dos recursos.
Bentes frisa que em 2018, no governo de Michel Temer, quando medidas semelhantes foram tomadas, o impacto foi completamente diferente. Isso porque, na época, a inflação não estava em um nível tão elevado como agora.
Como mostrou o Estadão, o governo prepara uma nova rodada de saques de beneficiários do FGTS e o anúncio da medida deve ser feito após o carnaval. A expectativa é de que seja liberado o saque de até R$ 1 mil para cada trabalhador. Nas estimativas do governo, a ação pode alcançar 40 milhões de trabalhadores.
O tema chegou a ser mencionado na terça-feira, 22, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante sua participação em um evento realizado pelo banco BTG Pactual. Para autorizar o saque extraordinário das contas de FGTS em pleno ano eleitoral, deve ser publicada uma medida provisória (MP).
“Essa medida o desaquecimento da atividade, mas não muda o jogo”, afirma o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi. Ele continua projetando avanço do PIB de 0,7% para este, um pouco acima do que a média de projeções do mercado – que está na faixa de 0,3%.
Imaizumi acredita que o destino dessa injeção de recursos extras deve ser a compra de itens de sobrevivência, como alimentos, produtos de higiene e limpeza e pagamento de contas de água, luz e combustíveis, itens muito pressionados pela inflação.
O pilar da massa de renda é o salário, e essa cifra de R$ 30 bilhões não chega a 5% do total dos rendimentos.
Em relação à venda do varejo ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, que é de R$ 2,4 trilhões, a injeção de recursos também representa muito pouco: 1,25%.
Uma ação semelhante foi autorizada no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) em dezembro de 2017 e foi ampliada pelo governo Bolsonaro. Medidas anteriores já liberaram a retirada de quase R$ 100 bilhões do fundo de garantia.
Entenda: FGTS é alvo de investidas para incentivar consumo
Crise pós-impeachment:
Para tentar reanimar a economia, o então presidente Michel Temer (MDB) editou medida provisória que liberou R$ 44 bilhões das contas inativas do fundo ao longo de 2017.
Mais recursos:
Em 2019, o governo Bolsonaro expandiu a medida e autorizou o saque imediato também de recursos de contas ativas, o que injetou R$ 27,9 bilhões na economia entre o fim daquele ano e março de 2020. O saque era limitado a R$ 500 em cada conta ativa ou inativa, mas quem detinha saldo de até um salário mínimo da época pôde sacar um limite de R$ 998.
Saque-aniversário:
Mesmo com a resistência do setor da construção civil, o governo criou o saque-aniversário do FGTS, que desde então permite aos cotistas a retirada de um valor todos os anos no mês de nascimento. O saque anual é proporcional ao saldo das contas – com limites de 50% (para saldos pequenos) a 5% (para saldos acima de R$ 20 mil) – justamente para evitar um esvaziamento do fundo.
Adesão:
Entre abril de 2020 e dezembro de 2021, quase 18 milhões de trabalhadores aderiram ao saque-aniversário e resgataram R$ 21,1 bilhões.
Crédito:
Os trabalhadores que optaram pela modalidade também passaram a contar com produtos financeiros oferecidos pelos bancos, em linhas com juros baixos que já poderiam ser usadas para o pagamento de dívidas. Na CEF, é possível antecipar até três saques anuais no consignado do FGTS.