O tema “liberdade de expressão” está em alta, mas ainda não é conhecido com a profundidade necessária em nosso País. Prisões vem sendo feitas e “cancelamentos” nas redes sociais de políticos e cidadãos comuns se tornaram rotina. Tudo por conta de uma prudente interpretação dos limites da liberdade de expressão feita pelo Judiciário brasileiro. A visão que está prevalecendo é a de que atacar a democracia e as instituições é crime, da mesma ordem de se pregar ideias moralmente abomináveis, como a defesa do nazismo, do holocausto, da escravidão… Esse debate acerca dos limites do que podemos ou não dizer tem gerado grande repercussão, sendo um dos elementos que hoje compõe o atual clima de polarização política que divide o País.
Para os defensores de ampla liberdade de expressão, a intervenção estatal deve ser restringida ao máximo, somente sendo acionada em casos extremos, quando há dano físico iminente, mas jamais censurar as palavras, mesmo que elas sejam aviltantes, pregando discursos ofensivos ou de ódio, ou até mesmo pedindo a abolição do estado democrático de direito, uma vez que ninguém pode deter o que pode ser dito, nem a polícia, nem os congressistas, nem o presidente, nem o juiz. Nessa linha de pensamento ultraliberal, a liberdade de expressão é um instrumento para a garantia dos demais direitos e liberdades. Seria um fator antecedente da própria democracia, e não o contrário.
Já para aqueles que defendem maior rigor no controle do discurso, a intervenção estatal é vista com mais otimismo, os riscos em potencial são bem aceitos, e o combate aos discursos de ódio e outras expressões extremistas fariam sentido, uma vez que estaria havendo a preservação de um bem maior, a democracia. Note-se aqui, a partir dessa rápida introdução, a diferença fundamental entre os que advogam menor ou maior liberalidade no uso da palavra. Para os primeiros, a liberdade de expressão é caudatária da democracia e não sua soberana. Nessa perspectiva, é preciso até mesmo censurar discursos que possam incentivar comportamentos antidemocráticos, como uma medida preventiva. Para os que enxergam o tema com lentes menos severas, inversamente, é a liberdade de expressão que deve ser um fim em si mesma, pois esta seria a medida da qualidade da nossa sociedade e que nos permite avaliar a robustez e a saúde da democracia.
Existem argumentos mais ou menos consistentes que sustentam as duas visões hoje em choque. Nosso judiciário encontra-se na espinhosa missão de deslindar o tema com sabedoria e senso histórico, particularmente na consideração do momento singular que atravessamos. Se, para alguns, parecem exageradas as autuações aos refratários à moderação vernacular, como por exemplo, no caso de políticos detidos por atentarem contra a ordem democrática e as centenas de presos por defenderem o golpe de estado, não podemos esquecer que minorias raivosas geralmente fazem ouvidos moucos para apelos ao bom senso. Manejada para implodir a democracia, biombos autoritários escudam-se no direito à livre palavra para solapar o direito de todos, mentiras são transformadas em arma política e a retórica do ódio dissemina-se pelas redes sociais com espantosa velocidade.
Nesse contexto, a discussão dos limites do que seja razoável traduzir como liberdade de expressão não pode encobrir o fato de que há riscos em jogo. As palavras são, de fato, as antessalas dos atos, como tragicamente assistimos na depredação dos três poderes, em 08.01.2023. Transigir, como querem alguns, com o aviltamento das instituições, sob a justificativa de combater a censura ou permitir o uso irrestrito da liberdade de expressão, mais parece um convite à anarquia, do que um apelo por maior liberdade de expressão. Em resumo, liberdade de expressão não se confunde com crime e crime não se confunde com liberdade de expressão. Esse entendimento básico parece ser um primeiro passo para que se avance nesse tema tão delicado, e cujo correto enfrentamento afetará o futuro de nossa democracia.