Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 19 de setembro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Poucos temas são tão caros à democracia como a liberdade de expressão. Não existe realmente como cogitar instituições soberanas e um Estado Democrático de Direito pleno sem que os cidadãos tenham liberdade para exercerem a livre manifestação de suas ideias. O tema está suficientemente consagrado em nossos textos legais e de forma muito clara na Constituição Federal. Ocorre, contudo, que assim como os demais assuntos albergados sob princípios legais, a liberdade de expressão não opera no vácuo, como uma força isolada e independente. Ela, a despeito de sua quase sacralidade institucional, interage com a vida em sociedade, respeita limites e também acata balizas que lhe moldam espaços, generosos é bem verdade, mas não absolutos.
Não obstante o tema receber atenção de forma quase que permanente no Brasil, especialmente após os eventos do 08.01.2023, o assunto ganhou novamente as manchetes depois da controvérsia envolvendo o empresário Elon Musk e o STF. Entre os dois contendores, o conflito de visões, cujos diferentes pressupostos os segregam irremediavelmente. Apesar das divergências que separam essas visões tão marcadamente antagônicas, existe um caminho do meio que reconhece a importância crucial da liberdade de expressão dentro de qualquer sociedade democrática, mas também entende que a liberdade de expressão não pode ser um meio para suprimir a própria liberdade. Nesse sentido, embora a liberdade esteja consagrada como um dos pilares da democracia, ninguém é livre para disseminar apologia ao Nazismo, à escravidão, ao assédio de crianças e tantos outros temas sensíveis. Nessa perspectiva, fica claro que a liberdade de expressão possui limites.
Embora a maioria das pessoas compreenda isso, ainda existem aqueles que distorcem sistematicamente o sentido do termo. Esses detratores da ordem constitucional consideram que, por estarem em uma democracia, têm a liberdade de ferir de morte a própria democracia e não serem devidamente responsabilizados. Esse tipo de situação invoca o “paradoxo da tolerância”, conhecida abordagem de Karl Popper para casos nos quais o combate à intolerância requer tratamento igualmente intolerante. Para o filósofo britânico, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade, da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância. Os intolerantes argumentam que devem ter liberdade absoluta, o que significa poder inclusive para destruir a liberdade alheia. Qualquer indivíduo é capaz de compreender isso, mas o mesmo não pode se dizer de alguém que usa a liberdade apenas como escudo para seus próprios interesses. É importante ainda situar que a liberdade de expressão realmente não admite censura prévia, pois a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. Por outro lado, essas mesmas pessoas são responsáveis pelo impacto que a divulgação de suas declarações causa e sujeitos a sofrer as consequências daquilo que sustentam.
Muitos pseudodemocratas, ou democratas vacilantes, vêm minando as instituições, dia após dia, clamando que são livres para tanto, livres para agredir as instituições em nome da liberdade de expressão. Criticados, eles dão um passo para trás, mas logo em seguida retornam ao mesmo método. O problema é que isso vai esgarçando o tecido democrático que, cada vez mais, aceita violações que antes eram inaceitáveis. Não é incomum, entretanto, perceber que quando as instituições reagem de fato, há apelos a um vitimismo frouxo, distorcendo conceitos básicos e escorregadios de responsabilidade.
O jogo democrático exige trocas recíprocas entre a população, as instituições e as leis do País. É preciso que as leis sejam observadas com rigor e que seja consolidado esse entendimento prévio como pressuposto de uma democracia efetiva. Numa época de forte inversão de valores como a atual, tem muito reacionário travestido de liberal democrata. Um dos motes usados para isso tem sido a “liberdade de expressão”, hoje arma daqueles que, há pouco tempo, defendiam um modelo que justamente intentava subvertê-la. Somente incoerência ou má fé e oportunismo?
(edsonbundchen@hotmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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