Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 5 de novembro de 2024
Após um período eleitoral em que foram abertamente constrangidos e cobrados por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a apoiar seus candidatos, líderes de igrejas evangélicas passaram a criticar a influência de políticos de direita entre os fiéis. Mesmo sem romper relações ou se contrapor diretamente a Bolsonaro, em sua maioria, o reposicionamento dessas lideranças passa por uma tentativa de se desvencilhar do bolsonarismo, também encampado pelo discurso antissistema de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo.
Pastores de grandes denominações do Rio e de São Paulo, como a Assembleia de Deus de Madureira e a Igreja Universal do Reino de Deus, manifestaram incômodo com o “patrulhamento” de bolsonaristas nas eleições municipais. Na disputa carioca, por exemplo, integrantes da campanha de Alexandre Ramagem (PL) acusaram pastores que não apoiavam o candidato bolsonarista de terem “se vendido” para Eduardo Paes (PSD).
A artilharia mirou especialmente o pastor Cláudio Duarte, organizador da Marcha para Jesus, e o bispo Abner Ferreira, líder da igreja de Madureira no Rio, que apareceram em mensagens de apoio a Paes. Até aliados próximos de Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia, que tampouco apoiou Ramagem, viraram alvos de deputados do PL.
Ligado à igreja de Abner, o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) verbalizou o incômodo e disse que políticos de direita passaram a tratar o eleitorado evangélico como “um grande filão na política”.
“Até pouco tempo atrás, o eleitor evangélico não era enxergado pela política. Agora, muitos passaram a dizer a esse eleitor que quem vota em um lado do espectro político é de Deus, e quem não vota é do diabo. Minha luta é para devolver a igreja ao lugar onde sempre deveria ter estado, de representante do Senhor, e não de um lado político”, afirma o parlamentar.
“Aquele manipulador”
Malafaia, por sua vez, preferiu direcionar críticas a Marçal, a quem acusa de tentativas de “manipular” o eleitorado evangélico. Com apelo ao discurso religioso, o candidato do PRTB angariou amplo apoio de fiéis, conforme as pesquisas de intenções de voto, e quase foi ao segundo turno, apesar de a maioria das grandes lideranças evangélicas, como Malafaia, estar ao lado do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
“Aquele manipulador de São Paulo diz que eu recebi R$ 1 milhão do prefeito do Rio. Olha que insinuação perversa. É mentira. Há 12 anos eu não apoio ninguém à prefeitura do Rio no primeiro turno”, rebate Malafaia.
Além de criticar Marçal e acusá-lo de atacar pastores, Malafaia repreendeu publicamente parlamentares bolsonaristas como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que é evangélico, por insinuarem que o apoio a Nunes era o mesmo que se dobrar “ao sistema”. Reservadamente, integrantes de igrejas afirmam que a agressividade do bolsonarismo “raiz” em cobrar alinhamento de pastores foi mal digerido por essas lideranças, o que levou a ajustes sutis de discurso.
A Igreja Universal, por exemplo, que em 2022 veiculou em seu jornal a mensagem de que “cristão não vota na esquerda”, passou a adotar em canais oficiais, após as eleições municipais, o discurso de que a igreja “não pode ser nem de esquerda, nem de direita”.
Coordenador do Grupo Arimateia, braço de orientação política da Universal, o bispo Alessandro Paschoall criticou a adesão de fiéis ao “pessoal que cita versículo” para inserir coloração religiosa em um discurso de “lutar contra o sistema”. Paschoall, que recebeu críticas por declarar apoio a Nunes, argumentou, como resposta, que “o anticristo virá sob a forma de um evangélico”, referindo-se a pessoas que se passam por religiosas sem estarem de fato alinhadas às igrejas.
“Quantas pessoas foram às minhas redes sociais dizendo: “Eu sou da Igreja Universal e nunca mais vou (te) apoiar”. Gente que cai nos lobos de rede social, que usa esses espaços para se promover, que usa o discurso conservador sem ser conservador”, pontuou Paschoall, em um podcast veiculado após o primeiro turno.
Crítica à “radicalização”
Um dos representantes da Universal na eleição carioca, o pastor Deangeles Percy (PSD) avalia que foi atrapalhado nesta eleição por uma radicalização política em nível local. Dado o tom agressivo da campanha entre Paes e Marcelo Crivella, bispo da igreja, em 2020, ele diz que muitos fiéis não entenderam sua filiação ao PSD, partido do atual prefeito, embora o movimento tenha sido costurado com a cúpula da igreja.
Deangeles, que acabou ficando na primeira suplência do partido na Câmara de Vereadores, prefere minimizar o patrulhamento nas redes sociais, embora reconheça sua existência:
“Não vale a pena debater com quem falta com o respeito. Quando vinham me criticar desta forma, eu apenas bloqueava, para não dar palanque.”