Quinta-feira, 16 de janeiro de 2025
Por Edson Bündchen | 16 de março de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Para Wittgenstein, os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo. Poucos irão discordar do filósofo austríaco, mas certamente poderiam conjecturar qual não seria o espanto dele, caso pudesse confrontar a realidade de 100 anos atrás, com a revolução que a internet impôs ao mundo da comunicação de hoje. A linguagem, como não poderia deixar de ser, acompanha as transformações da sociedade, incorporando neologismos e novas formas de expressão que a convertem numa entidade viva, orgânica e com enorme plasticidade. Nesse contexto, as atuais mudanças que assistimos, fariam parecer o adjetivo “imexível” de Antônio Rogério Magri, talvez menos anedótico do que fora no início de 1990, quando um descuido verbal do então Ministro do Trabalho e da Previdência do Governo Collor, criou um neologismo que agora está oficialmente incorporado ao dicionário brasileiro. Já se fazia notar um enriquecimento natural do léxico devido à globalização e à crescente complexidade da sociedade moderna, mas a aceleração provocada pela revolução nas comunicações trouxe o fenômeno a um patamar inédito, não somente em seu sentido vernacular, como especialmente na tradução de importantes transformações sociais em curso.
Nesse sentido, a língua é viva quando se transforma para albergar não apenas novas palavras, mas novas organizações sociais, novos arranjos que irão comunicar maneiras ainda inéditas de convivência entre as pessoas. Uma das áreas mais complexas, fecundas e polêmicas tem sido a acomodação da questão de gênero, ainda um terreno bastante movediço, em grande parte ancorado no renitente preconceito incrustado entre nós. A sociedade, como bem podemos notar, não é mais somente binária. Além dos cisgêneros, que se identificam com o seu gênero, existem os transgêneros, que não se identificam com o seu gênero biológico, e os não binários, que não se reconhecem no gênero feminino nem masculino. Todas essas novas nomenclaturas pedem passagem de registro dentro da nossa língua como primeiro passo para a sua afirmação. A língua, nesse caso, adquire um espaço de referência simbólica que prepara o terreno para o real, a partir de sua declaração e aceitação preliminar no vocabulário.
Mas há um contexto com o qual devemos nos preocupar. E ele não sido amigável, pelo menos não para uma parte da população que se viu arrastada por um sistema de crenças que, dentre seus nefastos pressupostos, incorporou a retórica do ódio e a eliminação dos contrários como razão de existir. Nesse nível de dissonância cognitiva, poucos se importam com a língua. Rasgam as gramáticas, assassinam as concordâncias e comunicam-se miseravelmente com repertório decrépito, mas armado o suficiente com palavras de ordem, onde abundam adjetivos irreversíveis e agressivos. Entretanto, quando se trata de linguagem inclusiva, referente ao gênero, entra em ação o esquadrão de controle dos costumes, já que a guerra cultural também compõe o arsenal do novo sistema de crenças que não enxerga senão meninos vestidos de azul e meninas vestidas de rosa.
Se concordarmos com Wittgenstein, saberemos que para uma maior compreensão de mundo será imprescindível expandi-lo através de maior conhecimento e tolerância. O preconceito, mesmo hoje tão presente nos modos e nas falas, nos lugares onde andamos, habitamos, laboramos e nos divertimos, pode ser combatido, mas não será negando a sua existência. A educação emerge como um caminho natural para que haja melhor convívio com as diferenças. Conscientização, maior inclusão e políticas de diversidade, além de leis contra a discriminação emergem como um desafio suprapartidário, cuja missão indelegável cabe aos governos constituídos. Esse horizonte também pode se ampliar com mais diálogo, empatia e solidariedade, elementos todos de um mesmo constructo, que tenha no comportamento social e na nossa linguagem, um reflexo daquilo que almejamos enquanto uma sociedade justa e mais igualitária.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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