Ícone do site Jornal O Sul

Linguagem neutra começa a ser usada nas empresas

Linguagem neutra ou não binária, e atende pessoas que não se identificam com os gêneros feminino ou masculino. (Foto: Reprodução)

Ao navegar pelo LinkedIn, já é comum encontrar profissionais que, ao lado de seus nomes, mencionam como querem ser tratados. Isso vem colocado entre parênteses, com os pronomes ela/dela, ele/dele, ile /dile. Para alguns, este último pode soar estranho – é o que se chama de linguagem neutra ou não binária, e atende pessoas que não se identificam com os gêneros feminino ou masculino.

“O latim já tinha a linguagem neutra, que foi suprimida quando houve a derivação para o português e outros idiomas”, explica Pri Bertucci, cocriador da linguagem neutra na língua portuguesa, estudioso do assunto há mais de uma década e CEO da Diversity Bbox, especializada em letramento e soluções de diversidade e inclusão.

Pessoa não binária que adota os pronomes ile/dile ou ele/dele, Bertucci explica que a linguagem neutra vem ganhando espaço, inclusive no mundo corporativo, ao lado da linguagem inclusiva – que dá preferência ao uso de, por exemplo, vagas para pessoas engenheiras ao invés de vagas para engenheiros. “Há uma transição gradativa para a linguagem neutra [que substitui ‘o’ e ‘a’ por ‘e’, ‘todes’, por exemplo]”, diz. “Mas é mais comum o RH usar aquelas pessoas, e não aquiles [pronome da linguagem neutra], porque algumas palavras ainda soam estranho.” Para Ricardo Sales, da Mais Diversidade, a linguagem neutra é uma forma de visibilizar algumas pautas de gênero e questionar o binarismo de gênero.

Autor do “Dossiê de Linguagem Neutra e Inclusiva”, Bertucci vem levando para as empresas o uso da linguagem neutra e afirma que, para facilitar o processo de mudança e adaptação de olhos e ouvidos, sugere justamente uma mistura entre a linguagem neutra e inclusiva, por ser um recurso mais facilmente aceitável. Isso pode ser feito com a substituição de artigos e pronomes que determinam um gênero por palavras neutras: ao invés de “quero propor um almoço para conhecer melhor os meus colegas de trabalho”, usar “quero propor um almoço para conhecer melhor a minha equipe” (linguagem inclusiva) ou, ainda, “quero propor um almoço para conhecer melhor todes com quem trabalho” (neutra).

Luana Gimenez, analista sênior de igualdade em recrutamento para América Latina na Salesforce, diz que a companhia começou, em maio de 2021 no Brasil, a se esforçar intencionalmente no letramento da equipe em relação ao uso de linguagem neutra e inclusiva, para que se torne parte do dia a dia da empresa. “O avanço que nós desejamos na sociedade só é possível se houver intencionalidade e, estruturalmente, ainda há obstáculos para grupos minorizados e sub-representados. A questão da linguagem é parte deles”, explica. Para ela, promover a inclusão através da linguagem é importante, já que ao usar a linguagem neutra ou inclusiva visibilizam-se também outras comunidades. “Existe um esforço genuíno no letramento do nosso time em relação ao uso de linguagem neutra e inclusiva, mas sabemos que estamos só no começo desse trabalho e que ainda há muito a ser feito para que seja de fato internalizado na forma como nos comunicamos diariamente.”

Globalmente, a multinacional adota dois mascotes que são personagens cujos pronomes de tratamento já são não binários. Para eles, que se chamam SaaSy e Astro, a linguagem utilizada é neutra e inclusiva. “Um movimento que começou nos Estados Unidos [onde o pronome neutro já existe, natural da língua inglesa], mas que temos visto crescer e acompanhar as formas de existir da nossa sociedade.”

Além disso, a Salesforce utiliza o pronome de tratamento preferido pela pessoa em suas identificações na empresa, garantindo o uso da linguagem correta, e adota a linguagem neutra intencionalmente nas comunicações que partem dos grupos de diversidade. Ações educacionais voltadas para lideranças e sessões de sensibilização sobre o tema estão na estratégia. “Já notamos a utilização da linguagem neutra de modo espontâneo em algumas das nossas equipes”, comenta Gimenez. “Temos a meta global de que 40% da nossa equipe se identifique como mulheres ou pessoas não binárias até o fim do ano fiscal de 2026.”

Na Serasa Experian, o assunto começou a ganhar espaço em junho de 2021. “Acreditamos que a comunicação neutra e inclusiva gera um ambiente cada vez mais respeitoso e funcionários mais engajados”, afirma Giovana Giroto, diretora de marketing e responsabilidade corporativa da companhia. Nesse caminho, toda a diretoria de marketing, comunicação e responsabilidade corporativa teve um workshop para compreender como construir a mensagem da melhor forma. “Além do treinamento com pessoas especialistas no tema de linguagem neutra, disponibilizamos para todos os funcionários e funcionárias um guia prático para comunicação inclusiva e um outro para comunicação não violenta.”

De forma prática, alguns usos já são observados. Na comunicação interna da Serasa Experian e nas redes sociais, a empresa trocou as vogais que definem o gênero das palavras por palavras como “pessoas”, “talentos”, “galera”, “turmas”. “Podemos dizer, ao invés de sejam bem-vindos, que bom que vocês estão aqui”, diz Girotto. “Essas palavras chegam com o objetivo de ter uma abordagem mais inclusiva, representando mulheres, homens e pessoas que não se identificam dentro desse espectro binário”. A executiva lembra que não funciona trocar as vogais por “x” e “@”, como tem sido usado em alguns locais – “todxs” ou “tod@s”. “Esses sistemas são exclusivamente escritos e atrapalham a leitura de pessoas com deficiência visual ou neurodiversas.” As informações são do jornal Valor Econômico.

Sair da versão mobile