Domingo, 26 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 24 de janeiro de 2025
Um acúmulo anormal de gordura nas pernas e braços é a principal característica do lipedema, doença que foi descrita pela primeira vez em 1940 e que até hoje é comumente confundida com obesidade ou excesso de gordura comum.
Mas diferente da obesidade, a gordura característica do lipedema, marcada por fibrose, pelo aspecto de “casca de laranja” ou “grãos de arroz” e pelo acúmulo significativo de nódulos que se assemelham às celulites, não responde a dieta e exercícios físicos.
“Vemos mulheres que têm a cintura fina [não possuem alta concentração de gordura na barriga], se alimentam de forma equilibrada, praticam exercícios físicos, e acabam frustradas porque continuam com deformidade nos membros”, diz Fábio Kamamoto, cirurgião plástico e idealizador do Instituto Lipedema, localizado em São Paulo.
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o lipedema como uma doença distinta. Em 2022, o quadro foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), um manual amplamente utilizado como referência global para identificação e registro de condições de saúde.
Essa inclusão facilita o diagnóstico padronizado, o registro de casos e o planejamento de políticas de saúde, contribuindo para avanços no cuidado de uma condição ainda pouco conhecida.
No Brasil, entretanto, a adoção da CID-11, prevista inicialmente para 2025, foi adiada para 2027 pelo Ministério da Saúde, que justificou a decisão com a necessidade de treinar profissionais e atualizar os sistemas.
O quadro clínico é caracterizado por cinco estágios distintos, que variam em intensidade. À medida que a condição avança, seus efeitos se tornam mais pronunciados, impactando não apenas a saúde física, mas também a mobilidade e a aparência do corpo.
O lipedema apresenta sintomas característicos que incluem: alterações como nódulos na coxa que se assemelham a celulite, apagamento do contorno natural dos joelhos devido ao acúmulo de gordura, e o formato de “perna ampulheta” (com gordura acumulada abaixo do joelho e afinamento acima dos tornozelos).
Outros sintomas comuns incluem dor, sensação de pernas pesadas, hematomas frequentes e marcas na pele causadas pela má circulação, evidenciando a progressão do quadro e o impacto na saúde e mobilidade.
Separadamente, no entanto, esses sintomas podem indicar outras condições — às vezes, apenas circunstanciais, como o uso de roupas muito apertadas — e o diagnóstico correto, do qual falaremos mais a seguir, depende da avaliação de um profissional de saúde com experiência no quadro.
Como tratar o lipedema?
Ainda não há uma cura definitiva para o lipedema. A principal linha de tratamento foca em em comida ‘de verdade’ – alimentos menos processados – e atividade física, buscando reduzir a inflamação. Drenagens linfáticas e uso de meias de compressão podem ajudar a reduzir o inchaço e a sensação de peso nas pernas.
Os resultados, no entanto, são limitados e ajudam apenas a controlar os sintomas. Em alguns casos, os profissionais de saúde podem recomendar a lipoaspiração, uma cirurgia plástica que retira as células de gordura — no caso das pacientes com lipedema, as células afetadas pela doença.
“Quando as células são removidas cirurgicamente, elas não são repostas. Embora nunca seja possível retirar todas células doentes, as que restam não se multiplicam para formar novo tecido. Por isso, resultados de longo prazo mostram melhorias significativas”, aponta Kamamoto.
O procedimento, no entanto, tem um custo alto – na capital paulista, os valores giram em torno de R$ 40 mil, sem incluir exames pré-operatórios, drenagens pós-cirúrgicas e objetos necessários para a recuperação, como meias e gazes cirúrgicas.
Pela falta de acessibilidade, há ONGs que lutam pelo acesso das mulheres com o quadro aos procedimentos cirúrgicos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). É o caso do ‘Movimento Lipedema’, braço social do Instituto liderado por Kamamoto.
“Queremos levar um projeto para Brasília ainda esse ano. Se conseguirmos alcançar uma massa crítica de pessoas demandando tratamento, teremos mais chances de chamar a atenção do Congresso e de outras instituições.”
Há também uma série de tratamentos alternativos, não comprovados ou não indicados pelos riscos de efeitos colaterais. Entre eles, medicamentos para emagrecimento, como Ozempic e Wegovy, que não melhoram especificamente o lipedema, mas podem diminuir medidas como um todo.
E como o estrógeno parece piorar o quadro – recomenda-se, inclusive, que mulheres com essa condição evitem pílulas anticoncepcionais à base de estrogênio – algumas pacientes ainda buscam um tratamento hormonal que diminua a quantidade desse hormônio feminino no corpo. Isso, no entanto, acarreta em riscos importantes para a saúde.
“Tumores alimentados por hormônios podem ocorrer em casos específicos. E na clínica, às vezes observamos mulheres apresentando virilização, ou seja, características masculinas como acne, mudança na voz, queda de cabelo, aumento do colesterol – o mesmo que acontece para quem toma esses hormônios para aumentar músculos”, diz o cirurgião plástico.
O médico também relata que acontece o chamado “efeito Cinderela”, em que os ganhos desaparecem ao interromper o uso. “Não há hormônios seguros para uso prolongado de 20 ou 30 anos, incluindo a oxandrolona e outros moduladores hormonais. Ainda não há medicamentos ideais para modulação hormonal segura no contexto do lipedema.”
Há também os suplementos frequentemente divulgados como uma “ajudinha extra”, como a coenzima Q10, o resveratrol e o ômega-3, devido aos seus potenciais efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes. Mas até o momento, infelizmente não há estudos robustos que comprovem sua eficácia no tratamento do lipedema.