Darren Aronofsky não tinha a menor ideia da popularidade de Brendan Fraser, ou da extensão de sua filmografia. O ator americano sequer estava em seu radar quando o diretor começou a busca para o protagonista de “A Baleia”. Afinal, a adaptação da peça do dramaturgo Samuel Hunter, um drama psicológico centrado na figura de um homem fisicamente debilitado e isolado em seu pequeno apartamento, não parecia comportar um galã de porte atlético que ganhou fama em comédias românticas e filmes de ação, como “George, o rei da floresta” (1997) e “A múmia” (1999).
Foram quase dez anos atrás do intérprete ideal para Charlie, um professor de inglês que sofre de obesidade mórbida, e por isso procura evitar o contato com o mundo exterior. Aronofsky conta que pensou “em todo tipo e formas de atores”. Até o momento em que, por puro acaso, os olhos do diretor bateram no trailer de “12 horas para o amanhecer”(2006), de Eric Eason, um thriller de suspense ambientado em São Paulo e com Fraser no elenco. Naquele instante nascia a escolha que afetaria a trajetória do filme, que conquistou três indicações ao Oscar (ator, atriz coadjuvante e maquiagem e cabelo).
“Eu não era exatamente um expert no Brendan. Mas algo fez sentido naquele momento em que o vi naquele trailer”, contou o diretor de “O lutador” (2008) no Festival de Veneza, em setembro, quando “A baleia” fez sua estreia mundial, na competição pelo Leão de Ouro. “Aquele cara já fora uma estrela de cinema, e claramente ainda tinha aquela energia, aquele fogo dentro dele, e achei que essa energia seria importante para o personagem. Foi algo instintivo, como quando assisti à peça de Samuel pela primeira vez, num pequeno teatro de Nova York, e decidi encontrar uma linguagem cinematográfica para ela.”
“A baleia” não levou o prêmio máximo da mostra italiana, mas desde então vem colecionando críticas entusiasmadas e frequentando as listas de melhores da temporada. A boa recepção ao filme representa um alívio também na trajetória de Aronofsky, cheia de altos e baixos, e que não conquistava tanta repercussão desde “Cisne negro” (2010). Mas, principalmente, pode significar uma virada na carreira de Fraser, que renunciou ao status de protagonista ainda na década de 2010: Charlie é seu primeiro papel principal desde “A caça” (2013), que em muitos países foi lançado direto em DVD.
Integridade e diversidade
Em Veneza, Fraser minimizou a ideia de um “retorno” porque, afirma, nunca deixou de trabalhar:
“A diversidade sempre foi um critério pétreo na minha trajetória profissional. Venho procurando não me repetir e, ao mesmo tempo, manter a integridade do que sou. Agora, em meu terceiro ato da vida, tive sorte de participar de um projeto como “A baleia”, que lida com temas como empatia e tolerância”, disse o ator de 54 anos. “Aprendi muito com cada diretor com quem já trabalhei, como Danny Boyle, Steven Soderbergh, agora com Darren e recentemente com Martin Scorsese (com quem rodou “Killers of the flower moon”). Ninguém está mais surpreso com isso tudo do que este cara aqui. Espero continuar minha jornada de descoberta.”
“Corajoso” e “destemido” são adjetivos fartamente associados ao desempenho de Fraser, que interpreta Charlie coberto de pesada maquiagem e próteses que dão volume ao corpo do personagem. Outrora extrovertido e carismático, agora o professor dá aulas por vídeo, sem a câmera de seu computador, escondendo sua aparência. Os únicos que eventualmente frequentam seu claustrofóbico apartamento são a melhor amiga Liz (Hong Chau), que funciona como uma espécie de enfermeira, e a filha adolescente, Ellie (Sadie Sink), que Charlie abandonou aos 8 anos.
Sentindo-se à beira da morte, ele pensa que tem poucos dias para fazer pelo menos uma coisa certa na vida: reconciliar-se com a menina, que não dá importância ao pai — até o momento em que descobre que ele guardou economias para financiar sua faculdade. Mas, para ter acesso ao fundo, ela precisa terminar o ensino médio com boas notas, e o pai se oferece para ajudá-la nos deveres de casa. É a chance que Charlie buscava para retomar uma relação com a filha, que pode ir para o espaço com a interferência da ex-mulher, Mary (Samantha Morton).
“Apesar de todas as suas limitações físicas. Charlie tem um superpoder: ele enxerga a bondade nos outros. Conhecer a si próprio é um desafio, e ele é seu pior inimigo, infelizmente. Fico imaginando que grande professor ele deve ter sido antes do trauma que o transformou e o empurrou para o isolamento. Deve ter sido ótimo jogar Pictionary (uma espécie de Imagem & Ação) com ele”, brinca Fraser. “É impossível não se sentir comovido com a história de um personagem que é facilmente descartável ao olhos dos outros, por causa de sua aparência física.”
Aposta no Oscar
Desde Veneza, o desempenho de Fraser é dado como um dos mais fortes para a temporada de prêmios. Hoje, seu maior rival no Oscar é Colin Farrell em “Os banshees de Inisherin”, de Martin McDonagh, também lançado no festival italiano. Perguntado à época sobre a probabilidade de ser indicado ao prêmio da Academia de Hollywood, Fraser reagia citando uma frase de “Moby Dick”, de Herman Melville, um dos autores preferidos de Charlie:
“‘Eu não sei tudo o que está por vir, mas, seja o que for, irei rindo'”. E olha que Melville escreveu isso em 1851.