Ao longo de 2024, foi discutida a possibilidade de o Brasil aderir à chamada Nova Rota da Seda chinesa. Apesar das tratativas, a visita de Estado do líder chinês Xi Jinping ao País nesta semana terminou sem um anúncio da entrada na iniciativa, com cooperações alternativas sendo anunciadas.
Especialistas apontam que governo brasileiro temia que País pudesse aparecer como um parceiro menor no projeto e também queria evitar o risco de enviar sinais aos Estados Unidos de um maior alinhamento com Pequim.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Xi assinaram uma declaração conjunta após os países firmarem 37 acordos. Os acordos incluem áreas como agricultura e indústria, além de um plano de cooperação por “sinergias” entre programas brasileiros e o “Cinturão e Rota”, como é conhecida a Nova Rota da Seda.
A proposta de adesão à Nova Rota da Seda foi um convite inicialmente feito pelos chineses, e chegou a encontrar no Palácio do Planalto e em alguns ministérios, como Casa Civil e Agricultura. “No entanto, há muitos anos essa iniciativa sofre forte resistência do Itamaraty, que enxerga uma possível adesão como ‘apequenamento’ do Brasil no cenário internacional”, aponta Julia Thomson, pesquisadora da consultoria Eurasia, que lembra que os países que atualmente fazem parte da Rota da Seda são economias menores que o Brasil.
“A principal preocupação era de que esse movimento pudesse reduzir a atual capacidade de negociação do Brasil com Pequim além de ser interpretado como um alinhamento à China, comprometendo a histórica política de não-alinhamento da diplomacia brasileira”, observa.
Além disso, houve receio sobre as vantagens práticas para o Brasil com a adesão, avalia Ana Tereza Marra, professora de relações internacionais da UFABC. “As relações econômicas Brasil e China, de alguma forma, já têm um modelo parecido com o da Cinturão e Rota”, lembra. “A impressão de algumas pessoas é de que não mudaria muito, e que a entrada seria simbólica”, argumenta, o que não seria de grande vantagem do ponto de vista diplomático.
Segundo Thomson, as negociações foram conduzidas com cautela e apesar da insistência por parte dos chineses, o Brasil optou por estabelecer uma parceria chamada de “mais abrangente” que o cardápio inicialmente proposto na Rota da Seda. “A decisão reflete o interesse do Brasil principalmente na transferência de tecnologia, além de um objetivo compartilhado com a China de investimento em infraestrutura, principalmente em rotas e comercio regionais que reduziriam os custos do comercio entre a América do Sul e a China”, aponta.
Um dos maiores receios em Brasília era o de que a entrada no projeto pudesse repercutir mal em Washington. “O Itamaraty tem essa posição, que é de não alinhamento, de tentar resguardar uma distância olhando esse conflito nascente entre China e Estados Unidos”, aponta Marra.
A representante de Comércio do atual governo americano, Katherine Tai, chegou a comentar sobre os riscos de um ingresso brasileiro na iniciativa. “Soberania é fundamental, e essa é uma decisão do governo brasileiro. Mas eu encorajaria meus amigos no Brasil a olhar a proposta com as lentes da objetividade, com as lentes da gestão de risco”, disse em um evento em outubro.
Megaporto
Na última semana, ocorreu o grande marco da Nova Rota da Seda na região, que foi a inauguração do megaporto de Chancay, no Peru. A mais ambiciosa obra chinesa na América Latina colocou os olhos do mundo nos planos de Pequim para a parte do continente que historicamente está na área de influência dos EUA.
Xi inaugurou a obra na costa peruana, a cerca de 60 quilômetros de Lima, que contou com cerca de US$ 3,6 bilhões em investimentos chineses. O projeto busca facilitar os intercâmbios entre a América do Sul e a China, sendo um hub para exportações regionais ao gigante asiático. No caso dos produtos brasileiros, há a expectativa de que a obra possa reduzir em até um terço o tempo de viagem gasto até o país, e o projeto é muito bem visto entre setores agrícolas que dependem dos envios à China.
O grande empecilho é o de ligar os estados do Norte e Centro-Oeste do Brasil com a costa peruana. Uma solução cogitada é a de uma ferrovia ligando o Atlântico ao Pacífico, que é conhecida como Ferrovia Transoceânica, e que contou com interesse chinês de ser financiada. A proposta seria uma das mais ambiciosas da Nova Rota da Seda na região, mas tem futuro incerto atualmente.