O presidente Lula da Silva exigiu providências para impedir que beneficiários do Bolsa Família usem o dinheiro para apostar nas chamadas “bets”, segundo informou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável pelo programa de transferência de renda. A reação de Lula se deu depois da publicação de uma nota técnica do Banco Central segundo a qual os beneficiários do Bolsa Família estão gastando mensalmente bilhões de reais nesses sites de apostas.
Lula mandou dizer que o dinheiro do Bolsa Família é para que as famílias comprem comida, e não para que apostem em resultados de jogos de futebol, razão pela qual, numa reunião ministerial marcada para a próxima quarta-feira (2), cobrará medidas para limitar o uso desses recursos.
O problema é que não há nada no Bolsa Família que impeça os beneficiários de gastar o dinheiro como bem entendem. Essa é, aliás, a lógica do programa de transferência de renda: dar aos beneficiários autonomia para decidir o que fazer com o recurso. Não se tem notícia, por exemplo, que quem recebe Bolsa Família não pode gastar, por exemplo, em cachaça ou em prostituição. Ou seja, se é para forçar os beneficiários do Bolsa Família a gastar com alimentos, então que se cancele o programa de transferência de renda e se crie outro, destinado a fornecer cestas básicas para a população carente.
O horror de Lula é só o mais recente exemplo da confusão estabelecida em Brasília entre as autoridades de todos os Poderes diante da súbita e absolutamente tardia constatação de que as “bets”, do modo como estão hoje, são um gravíssimo problema para a saúde mental e econômica dos brasileiros. E a solução proposta pelo petista e por quase todas as demais autoridades, que em resumo é restringir os meios de pagamento das apostas, mostra mais uma vez o viés paternalista e autoritário tão típico do poder público no Brasil.
Começam a surgir no Congresso projetos para proibir transações pagas por meio de Pix e limitar os valores de apostas por pessoas inscritas do Cadastro Único de programas sociais do governo, idosos e pessoas com nome sujo ou dívida ativa.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad – que decidiu antecipar para outubro ações que estavam previstas apenas para o início de 2025, como a suspensão da atuação das “bets” que ainda não tenham pedido autorização para funcionar no País –, declarou que “chegou a hora de colocar ordem nisso e proteger a família brasileira”. Para tão nobre fim, Haddad elencou uma série de medidas para restringir a forma como as apostas são pagas pelos usuários.
Ora, quem quer apostar sempre dará um jeito de arranjar o dinheiro, seja com cartão de crédito, Pix, dinheiro vivo ou transferência bancária. Do mesmo modo, quem quer beber até cair também dará um jeito de pagar pela bebida alcoólica. Ou seja, proibir que se use este ou aquele meio de pagamento para apostar se presta apenas a aliviar as consciências de autoridades que passaram anos a se omitir diante de um problema que era obviamente sério desde a origem.
Parece óbvio que o único caminho a seguir imediatamente é a proibição total da publicidade desses sites de apostas, assim como foi feito com as bebidas alcoólicas e com o cigarro. Mas é necessário ir além e fazer propaganda negativa, como se faz com o tabaco, mostrando de maneira explícita para os usuários quais são os efeitos da adicção ao jogo. Se o Executivo e o Congresso terão coragem de enfrentar uma máquina nociva que hoje domina a publicidade na TV e nos times de futebol do Brasil, são outros quinhentos. Mas é para isso que eles têm mandato. (Opinião/O Estado de S. Paulo)