Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 9 de fevereiro de 2023
Enquanto enfrenta sucessivas crises desde que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém uma retórica de campanha eleitoral, em um movimento que se intensificou após os atos extremistas de 8 de janeiro. Um termômetro dessa estratégia são as constantes menções ao antecessor, Jair Bolsonaro, e a reedição da ideia de “herança maldita”, expressão usada em 2003 para se referir ao legado do governo Fernando Henrique.
Um levantamento do jornal O Globo em discursos, pronunciamentos, entrevistas e publicações nas redes sociais mostra que, desde a posse, o petista fez referências diretas ao adversário na campanha do ano passado em pelo menos 20 ocasiões. É como se Lula voltasse a artilharia contra Bolsonaro uma vez a cada dois dias, em média, num ritmo que acelerou após as cenas de vandalismo em Brasília.
O presidente também costuma lembrar realizações de suas gestões passadas e o impeachment de Dilma Rousseff, que é tratado como golpe. Recentemente, Lula passou ainda a escalar as críticas ao Banco Central (BC), instituição comandada por Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro, e cuja autonomia foi aprovada pelo Congresso em 2021.
Na quarta-feira (8), Lula classificou Bolsonaro, sem citá-lo nominalmente, como o “responsável maior” pelo vandalismo nas sedes dos três Poderes, em virtude de “toda a pregação de ódio, indústria de mentira, de notícia falsa que aconteceu nesse país nos últimos quatro anos” — além disso, acrescentou que assumiu o cargo e encontrou um “governo completamente destruído”, imagem à qual já recorreu outras vezes.
Dois dias antes, na posse de Aloizio Mercadante no BNDES, o presidente já havia dito que, durante o governo Bolsonaro, o País viveu “um processo de mentira tresloucada”. São comuns também falas nas quais se refere ao antecessor como “genocida” ao tratar da pandemia e da crise vivida pelos ianomâmis, em Roraima.
Já a ofensiva relativa ao Banco Central, embora já estivesse pincelada na primeira quinzena de governo — “a única coisa que não é tratada como gasto neste país é o dinheiro que a gente paga de juros para o sistema financeiro”, discursou em cerimônia na Caixa Econômica em 12 de janeiro —, ganhou fôlego nos últimos dias, com críticas constantes à independência do órgão e ao patamar da taxa básica de juros. Lula chegou a chamar Campos Neto de “esse cidadão que foi indicado pelo Senado”, acrescentando em seguida que caberia à própria Casa “trocar o presidente do Banco Central”.
Em meio à subida de tom do presidente, aliados têm atuado para tentar amenizar a situação. Ministro da Fazenda, Fernando Haddad elogiou a ata “amigável” do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na terça (7) pelo BC. Já Alexandre Padilha, titular das Relações Institucionais, assegurou nesta quarta que não há qualquer debate no governo sobre alterações na independência do órgão.
Marca
Em um momento no qual o governo tenta construir uma marca, a lembrança de indicadores de gestões petistas e suas realizações também continua a ser adotada nos discursos, tal qual normalmente ocorre nas campanhas eleitorais. Depois de enfrentar a ação golpista, uma crise militar e a questão humanitária ianomâmi no primeiro mês de mandato, Lula tenta sair da defensiva e busca uma agenda positiva para os primeiros cem dias de sua nova gestão. Um exemplo é o relançamento do Minha Casa Minha Vida, previso para a próxima semana. O mapeamento de obras paradas, porém, ainda está em andamento.
Lula também defendeu a retomada de obras e disse que não é preciso “pedir licença para governar”:
“Confio que a economia vai voltar a crescer, depende muito de nós. A gente não tem que pedir licença para governar. Não tem que tentar agradar ninguém, tem que agradar o povo brasileiro que acreditou em um programa que nos trouxe até aqui.”
A estratégia lulista já começa a ser explorada pela oposição. Ex-ministro de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI) recorreu ao Twitter para comentar as recentes declarações do presidente. “Fala mal do ex, fala mal do teto, mal até do Alvorada, fala mal da Eletrobras, mal de empresários, mal dos juros, fala mal do BC. Governo é para fazer o bem e não para ficar falando mal. Um mês depois, o Brasil ainda aguarda a posse do novo governo”, afirmou. No fim de janeiro, o ex-presidente Michel Temer também reagiu após ser chamado de “golpista”, dizendo que Lula “parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor”.