Em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado atenção redobrada às indicações de seu governo para cargos no Judiciário, numa tentativa de não repetir “equívocos” que acredita ter cometido em nomeações passadas. Segundo interlocutores, Lula não apenas ampliou o grupo de pessoas que consulta para definir os indicados, como expandiu o filtro ideológico, anteriormente concentrado no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, o presidente busca alinhamento também nas indicações para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para instâncias inferiores, como tribunais regionais eleitorais e federais.
Segundo interlocutores, Lula e seu entorno têm demonstrado mais “malícia” na definição de indicados para o Judiciário. Além de exigir que os candidatos atendam aos requisitos legais, como possuir notório saber jurídico e reputação ilibada, o petista tem priorizado perfis do campo progressista, alinhados ideologicamente com o governo, e que sejam próximos a ele ou a seus aliados. Anteriormente, a avaliação ideológica era aplicada com mais rigor apenas às nomeações para o STF; agora, ela é considerada em todas as indicações.
O presidente tem afirmado a interlocutores que não pretende nomear pessoas que busquem “construir biografia no cargo”, enfatizando que os escolhidos devem ter posições claras e reconhecidas sobre uma variedade de temas, especialmente nas áreas de direitos humanos e meio ambiente.
Escolhas “desastrosas”
Em mandatos anteriores, Lula costumava escolher indicados para o Judiciário com base em conversas restritas, ouvindo principalmente Márcio Thomaz Bastos, que foi seu ministro da Justiça, e o advogado e ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, de quem era próximo. Mas algumas indicações feitas nos seus dois primeiros mandatos e depois, na gestão de Dilma Rousseff, foram consideradas “desastrosas” pelo PT.
Joaquim Barbosa é um desses arrependimentos que o presidente carrega. Nomeado ao STF em 2003, Barbosa foi o relator do processo do Mensalão, escândalo que afetou a reputação do governo e levou à condenação de aliados próximos do presidente, entre eles o ex-ministro José Dirceu.
De volta ao Palácio do Planalto, Lula criou uma comissão informal para estudar as listas de indicados aos tribunais superiores. A decisão foi inspirada tanto pelo conselho de amigos do mundo jurídico quanto pela experiência relatada pelo ex-presidente americano George W. Bush, que, anos atrás, contou ao petista sobre a existência de um departamento nos Estados Unidos dedicado a analisar indicações a cargos estratégicos do governo, incluindo a Suprema Corte.
A comissão informal de Lula é composta por quatro ministros: Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Rui Costa (Casa Civil). Com Messias e Lewandowski, Lula busca aglutinar uma visão mais completa do mundo jurídico sobre cada um dos candidatos, enquanto com Rui Costa e Padilha, o objetivo é consolidar apoios no sistema político que validem essas indicações.
Além dos quatro, Lula consulta a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e advogados próximos, especialmente do Prerrogativas. O grupo, composto por centenas de advogados e juristas de esquerda, tem ampliado sua influência no governo por meio de indicações estratégicas tanto para o Executivo quanto para o Judiciário. A aposta mais ambiciosa foi a indicação de Messias ao Supremo, que não se concretizou, mas continua sendo uma aposta do grupo.
Avaliando currículos
Segundo apurou o Estadão, a comissão faz uma varredura detalhada no currículo e no histórico dos candidatos, investigando desde a visão de mundo e posicionamentos em temas relevantes até produções acadêmicas e manifestações fora do ambiente acadêmico ou jurídico. O objetivo é garantir que o presidente não escolha alguém considerado “extremista”, que “não defenda a democracia” ou que tenha “vínculos com a direita ou extrema direita”, conforme relataram interlocutores.
Um integrante da comissão revelou, em caráter reservado, que um candidato com importantes padrinhos políticos foi vetado após o grupo identificar uma mensagem dele com críticas à urna eletrônica. A comissão também identificou, e “desclassificou”, pessoas que apagaram de suas redes sociais fotos em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Aliados de primeira ordem do presidente contam que as suas escolhas para o Judiciário têm levado em consideração nomes que estejam alinhados às pautas progressistas. Também conta a favor ter relação com grupos ligados ao presidente, como o próprio Prerrogativas, que chegou a fazer sabatinas informais com candidatos. (Estadão Conteúdo)