A eleição na Venezuela se tornou um capítulo do mais importante conflito vivido pelo mundo em tempos recentes: a batalha entre democracias e autocracias. A flagrante fraude cometida por Nicolás Maduro, preparada em detalhes, desde a impugnação de nomes da oposição, passando pelo fechamento das fronteiras e o impedimento de acesso de observadores internacionais, foi reconhecida como legítima pelas nações autocráticas, parceiros do modelo repressor implementado pelo governo de Caracas.
Com o resultado, a Venezuela se fecha ainda mais, afastando-se de nações livres e cada vez mais alinhando-se aos regimes mais duros e brutais do planeta. Afasta-se ainda mais das democracias tornando-se um regime parasitado por um ditador que realiza eleições de fachada com o simples objetivo de chancelar sua manutenção no poder, uma espécie de madurocracia, método similar ao adotado por Vladimir Putin na Rússia.
Preocupa o silêncio constrangedor do governo brasileiro, que mais uma vez optou por um chamado “distanciamento responsável”, como fazia habitualmente na Guerra Fria ao lado dos países não-alinhados, liderados por Tito, ditador da antiga Iugoslávia. Uma posição que, entretanto, tem um preço e uma linha muito tênue, que se for mal calculada, pode ser facilmente confundida com uma espécie de covardia diplomática. Neste caso, infelizmente fica claro que o silêncio guarda uma chancela velada ao regime antidemocrático madurista.
As atas divulgadas pela oposição, comprovadas pelos venezuelanos, mostram resultado completamente diferente daquele informado pelo Conselho Nacional Eleitoral. Com acesso a 73,5% das atas, o sistema mostra que Edmundo González levou 6,2 milhões de votos e Maduro obteve 2,7 milhões. Diante disso, diversas manifestações estão sendo convocadas. Pelo visto estamos diante de uma fraude de proporções vergonhosas.
Infelizmente uma insurgência da população é um tema delicado, uma vez que as forças repressivas do Estado estão ao lado de Maduro. Há cerca de 2.500 generais na Venezuela (mais do que em todos os países da Otan somados) e as Forças Armadas estão cooptadas. O êxodo também contribui. Mais de 8 milhões de venezuelanos já deixaram o país. Reagir para derrubar o governo é praticamente impossível para os civis. Maduro jamais entregará o poder de maneira pacífica e numa eleição limpa.
A presença de um narcoestado autoritário com alianças sedimentadas e profundas com outros regimes autocráticos e totalitários ao redor do mundo gera instabilidade na região e torna-se um enorme perigo para a América Latina. Delitos transnacionais, tráfico de drogas e corrupção desenfreada encobertas pelo manto da exploração e exportação do petróleo encaminham a Venezuela para a categoria de Estado falido, tomada pelo crime organizado e incapaz de gerir sua própria existência. Isto significa que a responsabilidade em buscar uma solução para o país está além de suas fronteiras, se tornando um problema internacional.
O Brasil, como maior país da América Latina, tem a responsabilidade de exercer seu papel de liderança, denunciando a fraude, exigindo o restabelecimento democrático do país sob pena de ser contaminado pela narcoautocracia que se estabeleceu em nossa fronteira. O silêncio de nosso país envergonha e mancha nossa democracia.
* Márcio Coimbra – cientista político
* marciocoimbra@gmail.com