Domingo, 29 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 20 de junho de 2022
Em maio de 2021 a fonoaudióloga e atriz Thaïs Thedim, 80 anos, começou a sentir um incômodo nas costas. Foi tratada com anti-inflamatórios até descobrir, com surpresa, que as dores intensas vieram acompanhadas de lesões na pele. O diagnóstico: herpes-zóster (HZ), infecção causada pelo vírus da catapora (varicela zoster).
“A erupção da pele sumiu em um mês, mas as dores não passaram. São dores intensas, persistentes. Sempre fui muito ativa e, agora, não consigo sequer ir à fisioterapia”, conta.
O que Thaïs não sabia é que a HZ é uma doença comum nas pessoas acima de 50 anos de idade e, assim como gripe, pneumonia e Covid-19, pode ser evitada ou atenuada com vacina. São mais raros, mas também possíveis, casos como o do cantor Justin Bieber, que ficou com parte da face parcialmente paralisada em função de HZ na região do ouvido.
“A carteira de vacinação do idoso é tão importante quanto a da pediatria. A herpes zoster é uma doença que causa muito sofrimento e danos. A lesão na pele desaparece em cerca de duas semanas, mas pode deixar sequela, que é a inflamação crônica do nervo. É uma dor que incomoda muito e afeta a qualidade de vida”, afirma a médica Ivete Berkenbrock, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
O varicela zoster causa duas doenças. Depois que o indivíduo tem a primeira infecção, geralmente na infância, o vírus permanece adormecido no organismo. Quando a resposta imune do corpo diminui, seja pela idade ou por uso de medicamentos imunossupressores, por exemplo, ele se reativa.
A estimativa é que um em cada três indivíduos vai desenvolver herpes-zoster durante a vida. O problema maior são as complicações. A mais frequente é a neuralgia pós-herpética – justamente as dores fortes, crônicas e que persistem por mais de quatro meses, como as que acometem Thaïs.
A incidência da neuralgia aumenta quanto maior a idade – de 5% em pessoas com menos de 60 anos a 20% dos que têm mais de 80 anos. Há ainda outros riscos associados à doença, como Acidente Vascular Cerebral (AVC), meningite e até comprometimento parcial ou total de visão, caso atinja a região do globo ocular.
Nova geração de imunizantes
Até o mês passado havia no Brasil apenas uma vacina contra a HZ, com eficácia em torno de 60%. Segundo nota técnica da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Zostavax (Merck), de vírus vivos atenuados, administrada em dose única, é contraindicada para imunocomprometidos, salvo exceções a serem avaliadas pelo médico.
Este mês, começa a chegar ao mercado a Shingrix, do laboratório GSK. Lançada nos Estados Unidos em 2017, ela faz parte de uma nova geração de imunizantes recombinantes, que usam apenas uma partícula do vírus, associada a um adjuvante. Recomendada para adultos acima de 50 anos, pode ser usada também por imunossuprimidos, a partir de 18 anos.
Os estudos demonstraram eficácia de mais de 90% na prevenção de episódio agudo, mesmo em idosos acima de 70 anos. A indicação é que sejam tomadas duas doses, com intervalo de dois meses.
Nenhuma das duas vacinas, porém, são administradas pelo SUS. Segundo o Grupo Fleury, as cidades atendidas pelos laboratórios da rede começam a receber a Shingrix a partir de 21 de junho. O valor da dose varia de acordo com o ICMS de cada estado. No Rio, deve custar R$ 580 no Felippe Mattoso. Em São Paulo, no Fleury, R$ 681. O imunizante já está disponível no Rio no Richet Vacina, por R$ 910 a dose. Segundo a presidente da SBGG, embora o valor da vacina seja alto, o tratamento da doença também custa caro.
Debate necessário
Jessé Alves, gerente médico do GSK, fabricante da Shingrix, afirma que a Covid-19 acelerou a discussão sobre a vacinação do público adulto, que tem se tornado foco das pesquisas de novos imunizantes.
“É inegável que a população mundial está envelhecendo. A pirâmide etária no Brasil está se modificando e a população com mais de 60 anos vai aumentar nos próximos anos. Vacinar faz parte das premissas para um envelhecimento saudável”, diz ele.
A infectologista Carolina Lázari, do Grupo Fleury, afirma que as tecnologias de fabricação de vacinas estão sendo aperfeiçoadas, tornando a imunização mais segura e duradoura.
“São plataformas novas, que não usam mais vírus vivo. A nova vacina da HZ tem apenas uma proteína do vírus e o risco é apenas de alergia a algum componente. Isso permite desenvolver mais vacinas para idosos”, comenta.
Lázari lembra que, com o envelhecimento, o sistema imune precisa de estímulos para proteger contra algumas doenças, sem descompensar comorbidades desenvolvidas com a idade, como diabetes e hipertensão.
Segundo Berkenbrock, com a devastação causada pela Covid-19 no sistema imunológico, a possibilidade de outras doenças surgirem é enorme.
“Por observação clínica, nos consultórios, temos visto muito mais casos de HZ”, diz a geriatra.