Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 29 de maio de 2020
Em meio a elogios e visita do presidente Jair Bolsonaro ao procurador-geral da República, Augusto Aras, mais de 500 procuradores da República de todo País assinam manifesto pela independência do Ministério Público Federal (MPF).
O documento pede a inclusão no texto constitucional da regra de que o chefe do MPF deve ser escolhido com base em lista tríplice escolhida pelos membros da instituição, como acontece nos Ministérios Públicos de todas as unidades da federação.
O manifesto continua recebendo assinaturas. As adesões ganharam força e se multiplicaram rapidamente depois da live de Bolsonaro na noite de quinta-feira (28), na qual o presidente afirmou que poderia indicar Aras a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo ainda que o PGR está tendo uma “atuação excepcional”. “Ele procura cada vez mais defender o livre mercado, o Governo Federal nessas questões que muitas vezes nos amarram”, declarou Bolsonaro em transmissão ao vivo.
O documento foi lançado na última quarta (27), mesmo dia em que a principal entidade da classe, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), divulgou nota afirmando que “é hora de retomar o debate sobre a constitucionalização da lista tríplice para a escolha do PGR”.
A ANPR defende que o procedimento colaborou “sobremaneira para a democracia interna do Ministério Público Federal e para o avanço da transparência e da independência da instituição”. “Que o momento atual impulsione a sociedade o Congresso Nacional a apoiarem a incorporação definitiva do procedimento (da lista tríplice) à Constituição, por meio de Emenda”, afirmou a entidade no texto.
As movimentações se dão no momento em que Aras pode denunciar o presidente no âmbito de inquérito que tramita no STF e investiga se Bolsonaro interferiu na Polícia Federal (PF) para proteger sua família e amigos.
A nota da ANPR faz alusão direta a tal ponto: “Considerando que cabe ao PGR investigar e acusar criminalmente o presidente da República, seria certamente mais adequado, partindo do princípio do fortalecimento institucional e da independência de atuação, que a lista fosse respeitada no âmbito do Ministério Público Federal”.
Aras foi o primeiro indicado à PGR em 16 anos que não constava na lista tríplice da PGR, formulada em votação entre procuradores. O primeiro colocado na lista ignorada por Bolsonaro foi o subprocurador-geral Mário Bonsaglia, que inclusive assina o manifesto elaborado nesta semana.
Simultaneamente à possibilidade de ser denunciado por Aras, o presidente faz cortejos ao PGR. Antes da afirmação sobre a vaga no STF, Bolsonaro fez uma visita inesperada à Procuradoria-Geral da República na segunda (25), após se convidar para “apertar a mão” do novo Procurador Federal dos Direitos do Cidadão subprocurador Carlos Alberto Vilhena, que era empossado na ocasião.
Medidas e interesses
Desde que assumiu o comando do MPF em setembro de 2019, Aras vem tomando uma série de medidas que atendem aos interesses de Bolsonaro. A mais recente foi mudar de opinião e pedir a suspensão do inquérito das fake news, após uma operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, fechar o cerco contra o “gabinete do ódio” e atingir empresários e youtubers bolsonaristas. Assim, Aras se tornou alvo de procuradores e de parlamentares da oposição, que criticam sua “inércia” frente ao que chamam de excessos do chefe do Executivo.
A atuação de Aras foi contestada por seus pares até mesmo quando pediu a abertura das investigações sobre suposta interferência política do presidente Jair Bolsonaro na PF. Na ocasião, mirou não só o presidente, mas também o ex-ministro Sérgio Moro, que fez as acusações contra o presidente.
Outro episódio contestado foi o pedido de apuração sobre ato antidemocrático convocado contra o STF em abril. Apesar do presidente ter participado da manifestação, inclusive discursando na mesma, o PGR livrou o presidente e focou o inquérito na organização e no financiamento dos atos. “As ações do procurador, até agora, indicam uma certa proteção ao presidente”, diz o advogado criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP.