Procurei escrupulosamente, disse Baruch Spinoza, não rir, não chorar, nem detestar as ações humanas, mas entendê-las”. É esta busca, e não o simples julgamento, que pode tornar mais claro alguns porquês de pessoas, muitas de um mesmo “habitat”, enxergarem com lentes morais tão diferentes, os fatos que povoam a paisagem política em curso no Brasil. Um exemplo que merece atenção, dentre tantos episódios, é o ódio declarado por muitos brasileiros a nossa Suprema Corte e alguns de seus ministros. Despida de paixão, entretanto, a análise sobre os motivos dessa aversão ao STF, mesmo que sempre incompleta, oferece mais alternativas do que o tradicional 8 ou 80, tão típico em julgamentos precipitados pelo passionalismo que hoje encharca a política nacional.
Na semana passada, a propósito, o Ministro Luis Roberto Barroso, atual Presidente do STF, em entrevista à CNN, endossou todas as decisões que Alexandre de Moraes, muitas delas polêmicas, vêm tomando, dizendo que estas refletem o “sentimento” do STF. Que sentimento seria este? Quais pressupostos fundamentais estariam a sustentar referida compreensão e este declarado apoio? Compreender que as palavras de Barroso não ocorrem por simples capricho ou qualquer outro tipo de interesse pode iluminar com mais precisão o assunto.
Algumas decisões de Moraes, notadamente aquelas nas quais diz agir para defender a democracia, têm ocasionado críticas por excesso de voluntarismo ou por buscar remodelar a sociedade a partir de suas convicções. Contudo, ao contrário da rejeição que sofre de alguns setores, Moraes tem recebido aprovação de seus pares, além de muitos estudiosos do Direito, embora críticas desse mesmo ambiente intelectual também lhe sejam dirigidas.
Naqueles que enxergam o Ministro agindo assertivamente, percebe-se uma comunhão de visões de mundo, circunstancialmente hoje albergada em maioria na Suprema Corte. Essa visão, no momento predominante, particularmente na interpretação dos atos de 08.01 e todos os seus desdobramentos, imagina catalisar o “sentimento” por Justiça ou qualquer outro sentido social que esteja a defender, imbuídos que estão daquilo que Thomas Sowell declara ser uma visão “irrestrita” de mundo. Em tal visão, as instituições sociais podem ser redesenhadas para corrigir desigualdades e promover mais equidade. Há, nessa perspectiva, uma genuína crença na capacidade humana de modificar as estruturas sociais injustas por meio de reformas institucionais, políticas progressistas e intervenções sociais.
Magistrados, assim como qualquer pessoa, naturalmente enxergam o mundo através de modos bastante particulares, mas que, em vários aspectos, possuem similaridades que os unem com outros que pensam de modo semelhante. É preciso entender quais pressupostos estão em jogo e quais são essas visões de mundo que governam certas decisões. Sem isso, veremos apenas xingamentos e ataques “ad hominem”, sem que se busque o verdadeiro entendimento do fenômeno. É o que temos assistido. Poucas análises fundadas em fatos e no Direito, e mais exasperações verbais, com o abandono do mérito e agressões à persona.
Assim, diferente daqueles que nutrem desconfiança pelo ativismo judicial, prevalece hoje, como espírito a nortear a Corte Suprema do Brasil, pressupostos nos quais juízes não devem se limitar, como também pensavam William Godwin e Ronald Dworkin, à simples aplicação de regras processuais, desconsiderando a justiça ou a injustiça resultante. Ao contrário, devem-se aplicar padrões morais implícitos à Lei, cujas “regras são apenas tentativas de sugestão”. Fosse outra a visão prevalecente, como a processualista, por exemplo, que nutre enorme desconfiança acerca da determinação deliberada dos indivíduos, possivelmente as críticas ao Supremo teriam outro teor. O fato, como disse Alexander Hamilton, é que todas as instituições humanas, mesmo aquelas mais perfeitas, possuem defeitos assim como qualidades, tanto propensões ruins quanto boas. Isto decorre da imperfeição do Instituidor, o Homem.