Sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 25 de novembro de 2018
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A holandesa no clube
Em 1982, embora tivesse um bom emprego em uma gravadora e ganhasse muito dinheiro com letras de música, eu estava me sentindo profundamente infeliz. Pior ainda: como a vida era generosa comigo, eu também me sentia culpado. Portanto, resolvi largar tudo e correr o mundo, até encontrar um sentido para a existência.
Nessas andanças, vivi uma época em Amsterdam, na Holanda, que era o símbolo de completa e total liberdade em todos os sentidos. Ali, eu frequentava o Kosmos – uma espécie de clube onde se reuniam as pessoas com quem eu tinha afinidade.
Certa noite, uma holandesa me perguntou como era o Brasil.
Eu comecei a falar de nossos problemas: a dura repressão do regime militar, as desigualdades sociais, a miséria, a violência.
– Mas, você vive no melhor lugar da Terra – completei. – Como é acordar todos os dias no paraíso?
A holandesa ficou um longo tempo quieta. Então respondeu:
– Horrível. Aqui está tudo certinho, não sobrou nenhum desafio, nenhuma emoção. Oxalá eu tivesse os seus problemas – então voltaria me sentir parte da humanidade.
Com os olhos da alma
O escritor argentino Jorge Luis Borges, já com 80 anos, foi visitar o México. Seu editor me conta que, depois de vários dias de palestras, conferências, e homenagens, Borges pediu uma tarde livre para visitar as pirâmides astecas no Yucatán.
O editor explicou que se tratava de uma viagem muito cansativa, onde era preciso andar de táxi, avião, jipe. Borges não se deixou convencer, e terminaram arranjando tudo para que fosse até Uxmal.
Chegou quase ao entardecer, depois de um dia exaustivo. Sentou-se diante de uma pirâmide do século X, e ficou uma hora sem dizer nada. No final, levantou-se e agradeceu aos seus acompanhantes: “obrigado por esta tarde e esta paisagem inesquecível”.
Como sabemos, Borges era cego. Mas isto não impediu que sua alma compreendesse o que estava a seu redor.
Uma ermida nos Pirineus
Logo depois do lançamento de “O Alquimista”, eu precisei passar um tempo fora do Brasil. Mas como o livro tinha acabado de sair, e meu editor na época não se mostrava muito entusiasmado, eu vivia preocupado com o que estava acontecendo em minha terra.
Um belo dia, em uma ermida nos Pirineus, encontrei um texto gravado em uma parede. Tive certeza que aquela mensagem tinha sido feita para mim, copiei-a em meu caderno de viagem e passei a repetir aquelas frases todas as manhãs. Pouco a pouco, a paz de espírito foi retornando, e eu pude finalmente desfrutar a viagem.
Eis o que estava escrito na pequena capela:
“Se você realmente fosse criança, uma verdadeira criança, ao invés de preocupar-se com o que não pode fazer, contemplaria a Criação em silêncio, e se habituaria a olhar calmamente o mundo, a natureza, a história, o céu”.
“Se você realmente fosse criança, estaria neste momento cantando aleluia para as coisas que estão na sua frente. Então –livre das tensões, dos medos, e das perguntas inúteis – aproveitaria este tempo para esperar, curioso e paciente, pelo resultado das coisas onde tanto investiu seu amor” (Carlos Caretto, ermitão italiano).
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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