No poder há pouco mais de um mês, a primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, corre o risco de ter um dos governos mais curtos da História recente britânica. Em uma tentativa de salvar a própria pele, a política conservadora demitiu seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, e anunciou que substituirá seu controvertido plano econômico ultraliberal por um “meio-termo” até o fim do mês.
Junto com a premier que se diz thatcherista, Kwarteng foi o arquiteto do pacote que previa os maiores cortes de impostos em meio século, custando cerca de 43 bilhões de libras esterlinas (R$ 255,8 bilhões) aos cofres públicos sem que fossem previstas medidas para compensar o rombo. Classificado como imprudente desde que era a promessa central de sua campanha pela liderança do Partido Conservador, o pacote foi mal recebido por um país à beira da recessão, com a inflação perto dos dois dígitos e sofrendo os drásticos impactos do Brexit.
“Quero implementar uma economia com impostos baixos, salários altos e crescimento. Fui eleita para isso, e essa missão continua”, disse Truss, admitindo apenas que seu plano foi “além e mais rápido” do que o mercado desejava. “Por isso, a maneira como implementamos nossa missão agora precisa mudar. Precisamos agir agora para assegurar os mercados de nossa disciplina fiscal”, completou ela, alguns dias após a libra atingir seu mais baixo patamar histórico.
A premier disse que precisa agir “decisivamente” porque sua prioridade é o “interesse nacional”, anunciando que seu novo ministro das Finanças será o ex-chanceler Jeremy Hunt, irá entregar um novo plano no “meio-termo” até o fim deste mês. Em meio a pausas e sinais de ansiedade, a premier disse “querer ser honesta” e reconheceu que a situação é “difícil”, mas garantiu que o país “sobreviverá a esta tempestade”.
A breve entrevista coletiva — sua fala inicial e as respostas a quatro perguntas duraram pouco mais de oito minutos — não foi bem recebida. À BBC, fontes conservadoras classificaram o desempenho como “insuportavelmente horrível”, “vergonhoso” e “sem razão para otimismo”. Os títulos britânicos registraram perdas frente à desconfiança e a libra caiu 1,3%, revertendo ganhos na quinta em meio a especulações de que o plano econômico seria suspenso.
“A política imprudente de Liz Truss fez a economia entrar em colapso, as hipotecas aumentarem exponencialmente e a posição britânica no cenário global foi minada”, disse Keir Starmer, líder da oposição trabalhista, no Twitter, afirmando que uma alteração de ministros “não reparará os danos em Downing Street”. “Precisamos de uma mudança de governo.”
Indagada pelos repórteres sobre por que deveria permanecer no poder, já que o desastroso pacote era tanto seu quanto de Kwarteng, Truss disse:
“Foi por isso que eu tive que tomar as decisões difíceis de hoje. A missão continua a mesma, precisamos aumentar as taxas de crescimento do nosso país. Mas, no fim das contas, também precisamos garantir que teremos estabilidade econômica, e eu preciso agir de acordo com o interesse nacional”, disse ela, que não admitiu seu erro em qualquer momento.
A reação foi particularmente negativa em relação à abolição da alíquota máxima de Imposto de Renda, de 45%, aplicada àqueles que ganham mais de 150 mil libras (cerca de R$ 892 mil) por ano, que Truss cancelou há 11 dias. O cancelamento de um corte de impostos para empresas, medida herdada do governo anterior, também fui suspenso: a taxa continuará a ser de 25%, ao invés dos 19% anunciados por Kwarteng no mês passado, redução que custaria 18 bilhões de libras (R$ 107 bilhões) aos cofres públicos.
Divergências
Sua situação é complicada ainda mais pelo fato de nunca ter tido o apoio completo de seus correligionários. Na fase inicial da disputa para a chefia do Partido Conservador, quando votavam apenas os parlamentares, Truss ficou atrás de Rishi Sunak, um defensor ferrenho da ortodoxia. Venceu no voto popular entre os filiados do partido.
A perspectiva de derrubá-la, contudo, é tão ruim quanto a possibilidade de antecipar as eleições previstas para daqui a dois anos. O compilado de pesquisas do site Politico mostra que, se o pleito fosse hoje, os trabalhistas estariam 26 pontos percentuais na frente, com 50% contra 24%. Quando Truss tomou posse, em 6 de setembro, o placar era de 42% a 31%.