Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 8 de dezembro de 2024
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi certeiro na essência de seu voto sobre o Marco Civil da Internet. Declarou inconstitucional o artigo 19, que assegura às plataformas digitais imunidade por danos causados pelo conteúdo que veiculam até o momento em que a Justiça decida o contrário. Só que o Judiciário é lento demais. A maioria fica indefesa. Muitos não contam com recursos para contratar advogado. Mesmo os que têm condições dependem da Justiça morosa. Quando a decisão é tomada e enviada às plataformas, o dano se tornou irreversível. A postagem é retirada, mas o criminoso já atingiu seu objetivo.
“Não se pode admitir que a importância dos novos serviços digitais para a economia continue a mascarar (…) visões preconceituosas ou discriminatórias — e, não raro, finalidades espúrias”, escreveu. Em seu voto, Toffoli restaurou um princípio constitucional básico: empresas e cidadãos são responsáveis por danos que causem. Estipulou que, no caso das plataformas digitais, tal responsabilidade passa a valer não a partir de uma ordem de juiz, mas do momento em que sejam notificadas pelos atingidos (sistema notice and take down). Para alguns crimes específicos, instaurou um dever de cuidado, pelo qual a responsabilidade existe desde o momento em que o dano começa a ser causado (caso de racismo, homofobia, incitação a suicídio ou mutilação, linchamento virtual, violência contra mulheres, crianças ou vulneráveis, infrações sanitárias, conspirações terroristas ou atentados à democracia).
Críticos sustentam que o STF invade prerrogativas do Congresso. É verdade que o Legislativo já deveria ter votado o PL das Redes Sociais, que estabelece dever de cuidado semelhante. Mas a crítica nesse caso não tem sentido, já que cabe ao STF dirimir questões constitucionais, e a Constituição determina que todos são responsáveis por danos que causem. Ao garantir imunidade às plataformas, o artigo 19 ignora que elas não são um canal passivo. Ao contrário, respondem, por meio de seus algoritmos, pelo alcance dos conteúdos criminosos — e ganham mais com publicidade quando esse alcance é maior. Como toda empresa de comunicação, devem ter responsabilidades compatíveis com o serviço que prestam. O voto de Toffoli acerta ao isentar do dever de cuidado canais passivos, como correio eletrônico, aplicativos de mensagem ou videoconferência.
Outros críticos temem que o dever de cuidado levará a um ambiente de censura, pois, temerosas de arcar com indenizações, as plataformas tirariam previamente do ar tudo o que possa ensejar reclamação. Trata-se de uma falácia. A legislação da União Europeia já impõe esse dever, e não se tem notícia de que os europeus vivam sob censura digital. Ainda que algumas empresas adotem políticas mais restritivas, num mercado competitivo outras mais liberais atenderão aos insatisfeitos.
É um contrassenso acreditar que defender a aplicação da lei no mundo on-line ameace a liberdade de expressão. Nesse ponto, a argumentação de Toffoli é certeira. Ele próprio abriu espaço à discussão dos crimes sujeitos ao dever de cuidado. O voto do ministro Luiz Fux, relator do segundo processo sobre o Marco Civil, poderá contribuir. Mas a maioria da Corte deveria desde já seguir o espírito do voto de Toffoli, para a internet deixar de ser terra sem lei. (Opinião/O Globo)