Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Tito Guarniere | 15 de abril de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Mais do que formar o governo e apresentar um plano para o país, Lula parece empenhado em desfazer o que até então foi feito, a partir da premissa duvidosa de que – daquilo que o antecedeu – nada prestou.
Um dos alvos do esforço de desconstrução do governo é o Marco Legal do Saneamento. Trata-se de uma lei votada em 2020, sancionada por Bolsonaro, que tinha por escopo criar um ambiente amigável para os investimentos no setor – um número de 125 milhões de brasileiros padecem de um déficit de fornecimento de água e esgotamento sanitário. O outro pressuposto era a notória (e por todos reconhecida) incapacidade de o Estado brasileiro dar conta daquelas carências e de dispor dos recursos para atender a demanda.
Foi uma boa lei. Perfeita? Inexiste lei perfeita. Estava em pauta uma das nossas mazelas mais sentidas e de consequências mais devastadoras, em qualquer dimensão e plano. A falta de água e esgoto é um dos indicadores mais seguros do atraso, da pobreza, do subdesenvolvimento. Mesmo assim, nunca mereceu maior atenção dos políticos e dos governos, porque, como sempre se disse, os sistemas de água e esgoto ficam debaixo da terra, ninguém os vê e não rendem votos.
O novo Marco estabeleceu metas ambiciosas de universalização: atendimento de 99% da população com água tratada e de 90% para a coleta e o tratamento de esgoto até o ano de 2033.
O Marco não contrapôs o setor público face ao setor privado. Por assim dizer, o Congresso os tratou como iguais. O projeto reduziu o impacto das cláusulas que costumam mobilizar as forças antagônicas do Congresso, e que arruínam qualquer debate sério a respeito do assunto. Concentrou no que era mais relevante: é necessário um volume astronômico de investimentos, que o Estado não tem e nem vai ter em prazo razoável. Consagrou uma predisposição amplamente favorável aos investidores e empresas privadas, invertendo a lógica inversa que historicamente presidiu o setor, durante longo tempo quase um monopólio do Estado.
Da aprovação da lei a esta parte, o novo Marco atraiu – com a pandemia no meio – cerca de R$ 50 bilhões de reais em novos investimentos em cerca de 20 cidades ou grupos de cidades, uma sinalização promissora dos efeitos positivos da regulação de 2020.
Com a vitória de Lula, os velhos interesses das corporações do setor ganharam fôlego e logo obtiveram do novo governo concessões que deformam o projeto. Exemplo: as estatais estaduais de água e esgoto ganharam novos prazos para demonstrar que têm capacidade técnica e financeira de cumprir as etapas da universalização até 2033 e dessa forma poderão manter os serviços a seu encargo sem licitação. Isso não era permitido no Marco original.
Não bastasse isso, é assente que mudanças assim abruptas geram insegurança jurídica e desencorajam os investidores privados – de onde certamente virão o grosso dos recursos.
Lula aposta alto nas concepções do seu partido e das siglas de esquerda que o apoiam. Um Congresso em grande parte hostil, entretanto, pode infligir ao governo uma derrota que reponha o Marco nas linhas originais de 2020.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.