Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 27 de setembro de 2024
Quem nunca mandou uma mensagem de WhatsApp para o médico que atire a primeira pedra. Mas será que ela era realmente necessária? Urgente? O horário era adequado? Tinha alguma foto desagradável? Você certamente evitou áudios e não cobrou retorno, certo?
O uso do WhatsApp tem invadido a vida de muitos profissionais, às vezes de forma abusiva. Uma das classes que tem sofrido bastante com isso é a dos médicos, motivando o pediatra, sanitarista e colunista do jornal O Globo, Daniel Becker, a fazer um desabafo em uma recente coluna, batizada de “O novo pesadelo dos médicos”:
“O abuso tem se tornado um motivo de exaustão e mesmo de transtornos mentais para diversos profissionais – médicos em especial. Muitos passaram a trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ninguém suporta esse ritmo. Há muitos relatos de burnout e estresse extremos”, conta.
“As solicitações chegam às raias do absurdo, geram incredulidade e indignação. O imediatismo é espantoso. Uma pergunta sem história, detalhes ou contexto: meu filho está com tosse, o que eu faço? Ou ao contrário: um relato longo de um problema complexo, que exige obviamente uma história bem-feita e exame clínico, vem com a demanda de um diagnóstico e tratamento. Longos vídeos de criança tossindo, áudios de 11 minutos esperando respostas. E se o médico demora vem a reclamação: ‘Você tem que estar disponível sempre, foi para isso que paguei sua consulta’”.
De acordo com Becker, o imediatismo e a inadequação se tornaram marcas dessa comunicação. Ele relata que os profissionais recebem pedidos de atestados em fins de semana ou de avaliação de laudos de rotina de madrugada, “com expectativa de resposta”. “Chegam sem aviso fotos de fezes, vômitos e catarro. Ou pior, fotos de partes íntimas expostas, inclusive com o rosto da criança aparecendo.”
A falta de bom senso de alguns pacientes é marcante. A endocrinologista Suzana San Juan Melo até hoje lembra de um caso que aconteceu há alguns anos, com uma pessoa que estava acompanhando num processo de emagrecimento:
“Ela me enviou uma mensagem com uma dúvida sobre se poderia comer alguma coisa na dieta. Eu estava parando o carro para pegar minha filha de 4 anos na escola. Vi que não era urgente e fui pegá-la. Quando voltamos para o carro, ela tinha escrito: ‘se leu, por que não respondeu?’. Fiquei chocada, atônita. Nem respondi. Algum tempo depois, ela apagou a mensagem”, conta.
Mas, de acordo com a médica, a tal paciente representa uma minoria.
“Ela passou totalmente dos limites, mas a maioria é bem tranquila, acho que as pessoas estão aprendendo a lidar com isso, o que pode e o que não pode.”
O psiquiatra Daniel Barros, autor de “Viver é melhor sem ter que ser o melhor” (editora Sextante), diz que desenvolveu estratégias para lidar com a procura dos pacientes.
“Deixo no meu status “vou ver na hora que der, se for urgente, ligue”. Tem uma urgência que não está só em quem manda a mensagem, mas em quem recebe”, diz. “É uma situação geral, não é só com a medicina, o WhatsApp embolou a ética das comunicações. E algumas profissões são mais pautadas pela troca do que outras. A medicina trata de pessoas em situação de vulnerabilidade, que têm dúvidas. A culpa é delas, do WhatsApp, de quem atende? É uma nova dinâmica que se estabeleceu e cabe à gente criar regras.”
Edson Medeiros, especialista em marketing médico que atende mais de 200 médicos no Brasil e Portugal, explica que essa não é uma queixa comum entre seus clientes porque apenas cerca de 2 a 3% dos pacientes costumam dar problema.
De fato, se os médicos se queixam do uso abusivo, há também o outro lado da moeda: pacientes que se sentem deixados na mão quando mais precisam.
A filha da paulistana Raquel (nome fictício) tinha 5 anos quando passou por uma cirurgia de amígdala e adenoide. A família estava começando com um novo pediatra que, inclusive, recomendou a operação. A menina estava com muita dor e a mãe ficou sem saber exatamente como proceder.
“Comecei a mandar mensagens no WhatsApp e o pediatra não respondia. Minha filha com muita dor e eu sem saber a conduta. Depois, liguei para a secretária e pedi que ela falasse para ele me atender. Nem pensei em ligar para ele direto, parecia tão íntimo… Passaram muitas horas. Liguei para a secretária de novo, já nervosa. Ele acabou me ligando”, conta.
Raquel demorou quase um ano para entender que esse tipo de comunicação não funcionava com esse médico.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não tem recebido queixas de médicos sobre o uso do WhatsApp. O conselheiro da entidade, relator da resolução de telemedicina e pediatra, Donizetti Giamberardino, entende que cada profissional deve colocar seus limites.
“A relação médico/ paciente é uma relação de confiança, estabelecida desde a primeira consulta e, se houver intenção de continuar, cria-se um pacto, nesse pacto está incluída a modalidade de relacionamento de mídia social. Você pode ter seu limite, acho que é uma questão de combinar. Pode permitir dar o telefone ou não. Ligar só para emergências, combinar que só atende no consultório, mas é claro que pode perder pacientes por isso.” As informações são do jornal O Globo.