Terça-feira, 24 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 4 de outubro de 2023
A manifestação mais evidente do problema é o recorde de casos e mortes por dengue.
Foto: ReproduçãoO aquecimento global vai favorecer a disseminação de doenças transmitidas por mosquitos, e a maioria dos estudos projeta situação preocupante a partir da próxima década. Médicos que lidam com o problema no Brasil, porém, afirmam que esse futuro indesejável já chegou em 2023.
O médico e cientista potiguar Kleber Luz, atuante na resposta ao surto de microcefalia associada à zica em 2015, foi escalado no último Congresso Brasileiro de Infectologia em Salvador (BA), na semana passada, para resumir o cenário regional das arboviroses (nome dado às viroses transmitidas por insetos e outros artrópodes). Chegou ao encontro alertando os presentes para uma alta de casos de dengue no fim do inverno, em setembro, quando a doença não costuma se espalhar tanto.
“Nós estamos vivendo talvez a maior epidemia de arboviroses que já tenha acontecido nas Américas”, disse Luz. “De uma forma muito clara, o comportamento das arboviroses tem sido modificado pela presença do vetor (mosquito). E a presença do vetor tem sido modificada pelo aquecimento global.”
A manifestação mais evidente do problema é o recorde de casos e mortes por dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Com cerca de 1,5 milhão de casos por ano agora, a doença matou mais de 2.000 pessoas em dois anos no Brasil. Países vizinhos também têm registrado problemas.
“O Uruguai, o norte da Argentina e o Chile já estão registrando casos autóctones de dengue e chikungunya, e no Brasil já faz três anos que a região Sul é vice campeã de casos”, diz Luz, que mostra preocupação com a expansão do sorotipo 3 do vírus da dengue. “O sorotipo 3, que é presente no norte das Américas, desceu pela América Central, já está no Norte do Brasil, e pode gerar problema.”
A dengue por si já coloca o continente em alerta, mas um comportamento incomum da chikungunya também está preocupando. Essa outra doença, caracterizada por dores nas articulações, é muito incapacitante, mas não costuma matar suas vítimas. O perfil de baixa letalidade, porém, está mudando.
Num surto que ocorre no Paraguai, a mortalidade é alta, com mais de 300 óbitos. Como médicos ainda não entenderam o motivo da alta letalidade ali, não está descartado que uma versão mais agressiva da doença surja em outros países.
A zica parece problema menor, por enquanto, porque após o grande surto de 2016 não ocorreu mais epidemia de microcefalia em bebês. O patógeno permanece em nível residual na população, porém, e epidemiologistas não sabem com clareza o que pode levar a um novo surto da malformação neurológica.
Diversidade viral
Se três vírus não são o bastante, outros dois patógenos de nomes menos conhecidos têm aparecido com mais frequência em diagnósticos e estudos de monitoramento: o oropouche e o mayaro. O primeiro, da família da dengue, já tem presença estabelecida na região Norte.
“Até agosto, foram 64 casos identificados em Roraima, 38 no Acre e 36 em Rondônia, mostrando que, se a gente procurar, a gente acha”, diz André Siqueira, do Instituto Nacional de Infectologia (INI), da Fiocruz.
Ele destaca que em Roraima o oropouche já se mostrou mais prevalente que a dengue em certas ocasiões. Como o quadro clínico da infecção é similar nas duas doenças, é possível que a estatística de dengue tenha embutido casos do oropouche. O mesmo ocorre com o mayaro, que pode ser confundido com chikungunya.
“É fundamental buscar o diagnóstico utilizando-se das técnicas de biologia molecular”, afirma Antônio Bandeira, infectologista do Laboratório Central (Lacen) do estado da Bahia, lembrando que a vigilância epidemiológica para arboviroses ainda é muito ancorada em diagnósticos clínicos.
Para a vigilância epidemiológica, porém, ampliar os diagnósticos moleculares é um desafio, porque é preciso de estrutura para transportar e armazenar amostras de sangue. Com a covid, por exemplo, bastam amostras de secreção nasal, e foi mais fácil universalizar os testes moleculares.