Um diagnóstico é mais do que palavras em uma página. É tudo o que vem com ele: o tom de voz do médico, um toque gentil da mão, as pausas deixadas para que o paciente possa digerir as notícias. Todos esses detalhes sutilmente transmitem como você deve pensar sobre a notícia que acabou de receber.
Mas uma palavra diagnóstica em particular ameaça inviabilizar qualquer discussão racional sobre seu significado: câncer.
“Câncer é essa palavra que causa pânico. Os pacientes comparam ouvir o termo a ser atropelado por um caminhão, como se não conseguissem processar nada que vem depois”, afirma Laura Scherer, psicóloga social da Universidade do Colorado que estuda como os médicos comunicam riscos.
Kirsten McCaffery, pesquisadora de saúde e psicóloga da Escola de Saúde Pública da Universidade de Sydney, acrescenta que o rótulo de câncer é uma espécie de bomba de ansiedade que dispara nos pacientes. É por isso que alguns oncologistas argumentam que, para certos tipos de câncer em estágio inicial que não correm risco de se espalhar, a profissão médica deveria abolir completamente a palavra.
No centro do debate está o diagnóstico comum de câncer de mama DCIS, ou carcinoma ductal in situ. A frase, que descreve células cancerosas confinadas ao revestimento dos ductos de leite, presentes na mama, é um tanto paradoxal. O Instituto Nacional do Câncer define câncer como células que, se não forem tratadas, crescerão descontroladamente e se espalharão para outras partes do corpo; “in situ”, no entanto, significa limitado a um lugar.
As células DCIS crescem, mas lentamente. Para a maioria dos pacientes, as células nunca se espalharão além de sua localização original ou causarão problemas, e podem até ser reabsorvidas pelo corpo. Para cerca de uma em cada quatro pacientes, no entanto, as células acabarão se transformando em um câncer de mama invasivo.
O diagnóstico, portanto, desafia a definição de câncer nos livros didáticos e pode prejudicar a compreensão clara das mais de 50 mil pacientes que recebem o diagnóstico a cada ano.
“O nome é uma relíquia de esquemas de categorização anteriores que significa essencialmente não se preocupe, mas se preocupe”, explica Ronald M. Epstein, professor de medicina no Centro Médico da Universidade de Rochester que escreve sobre comunicação consciente na medicina.
Chamar DCIS de “câncer” pode sinalizar às pacientes que elas enfrentam uma emergência médica que requer cirurgia imediata e, frequentemente, radiação. Contudo, estudos sugerem que tais tratamentos severos podem ser desnecessários e usados em excesso. Resultados preliminares de um estudo com quase mil mulheres com DCIS mostraram que, dois anos após o início do estudo, pacientes que estavam sendo monitoradas ativamente não apresentaram uma taxa maior de câncer do que pacientes tratadas com cirurgia.
“Muitos desses cânceres não apareceram ontem, então não são uma emergência. É uma emergência apenas porque você foi informado do seu diagnóstico”, argumenta Laura J. Esserman, cirurgiã e oncologista do Breast Care Center da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que diagnostica e trata DCIS.
Para Esserman, a solução é simples. Dê outro nome à condição: células anormais, lesões de baixo grau, câncer em estágio 0, pré-câncer, um fator de risco para câncer. Renomear DCIS é um “imperativo ético”, argumenta a especialista, para poupar as pacientes de ansiedade indevida e mudar o paradigma atual do tratamento de cirurgia invasiva para monitoramento ativo (às vezes com medicamentos bloqueadores de hormônios).
Este problema vai além da mama. Um punhado de outras condições abrange esse espaço intermediário, incluindo cânceres em estágio inicial de pulmão, tireoide, esôfago, bexiga, colo do útero, próstata e pele. Alguns, como o câncer de próstata em estágio inicial, ainda são chamados de câncer. Outros já tiveram a palavra excisada de seus nomes: células cervicais anormais, por exemplo, agora são chamadas de displasia.
“Em todos esses casos, a palavra ‘câncer’ não reflete a realidade biológica. Câncer é uma praga, algo que vai crescer, tomar conta e matar você. Se a condição não for essa, então o nome não está correto”, acrescenta Esserman.
Mas o câncer nunca foi apenas sobre biologia. A palavra vem carregada de séculos de bagagem de uma época em que sua expressão significava morte certa.
“Quando era diagnosticado, você já estava prestes a partir”, diz Howard Markel, historiador médico e professor emérito da Universidade de Michigan.
Durante a maior parte de sua história, um diagnóstico de câncer levou ao estigma e ao paternalismo. Quando o Dr. Markel estava crescendo, ele disse que os adultos falavam em tons baixos sobre “a palavra com C”. Em 1970, quando o câncer se tornou a segunda principal causa de morte nos Estados Unidos, ele ganhou o apelido de “a doença terrível”.
Antes de 1977, a maioria dos médicos nem sequer contava aos pacientes que eles tinham câncer, por medo de que eles desistissem de toda a esperança.
“Em relação ao câncer, o consenso de opinião é que os pacientes sejam mantidos na ignorância da natureza e do provável resultado da doença pelo maior tempo possível”, aconselha um artigo de 1898 no New York Medical Journal.
Graças a uma revolução nas ferramentas de triagem e tratamentos, “câncer” agora se refere a um amplo espectro de doenças, incluindo condições que nunca se espalharão ou causarão danos e aquelas que agem mais como doenças crônicas do que como assassinos imediatos. Mas a percepção do público ainda não se atualizou.
“O modelo mental que as pessoas têm do câncer é que ele cresce, se espalha e mata você. Daí o argumento para perder o nome e, com ele, as associações ultrapassadas de morte e desgraça”, pontua Scherer. Daí o argumento para perder o nome e, com ele, as associações ultrapassadas de morte e desgraça. As informações são do jornal The New York Times.