Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de junho de 2019
Neste domingo (9), foram divulgadas mensagens atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal (MPF) que mostram que os dois trocavam colaborações quando integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato. A investigação foi feita pelo The Intercept Brasil. Moro, que atualmente é ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, foi o juiz responsável pela operação em Curitiba. Em novembro, ele deixou a função ao aceitar o convite do presidente.
Segundo informações do site, o material foi obtido por meio de uma fonte anônima. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. Após a publicação das reportagens, a equipe de procuradores da operação divulgou nota chamando a revelação de mensagens de “ataque criminoso à Lava Jato” e disse que o caso põe em risco a segurança de seus integrantes.
Confira o pronunciamento
Força-tarefa informa ocorrência de ataque criminoso à Lava Jato https://t.co/Gp3iCwlctG
— MPF no Paraná (@MPF_PRPR) June 9, 2019
Durante as conversas privadas, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que resultou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no causa do tríplex do Guarujá. Preso em decorrência da sentença de Moro, o petista foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A condenação já foi chancelada também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu a pena para oito anos, 10 meses e 20 dias de prisão.
De acordo com a reportagem, Moro sugeriu ao MPF trocar a ordem de fases da Lava-Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial. Especialistas em direito dizem que a princípio, não haveria nenhuma ilegalidade, mas pode ter havido desvio ético. “Olá Diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejada (sic)”, escreveu Moro a Dallagnol em fevereiro de 2016, referindo-se a fases da investigação. Dallagnol disse que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão. No dia seguinte, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.
Em agosto do mesmo ano, depois de decorrido o período de quase um mês sem novas operações da força-tarefa, o então juiz perguntou: “Não é muito tempo sem operação?”. “É sim”, respondeu Dallagnol, segundo o Intercept. A operação seguinte ocorreu três semanas depois do diálogo com Moro.
O material também traz reações à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de soltar em 2015 o ex-executivo da Odebrecht que se tornou delator, Alexandrino Alencar. Os diálogos mostram os membros do MPF e do Judiciário debatendo passos que poderiam levar o delator de volta para a prisão. “Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?”, escreveu Dallagnol. “Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia”, respondeu o então juiz. Nove minutos depois, Moro completou: “Teriam que ser fatos graves”. Após ouvir a sugestão, o procurador repassou a mensagem do juiz para o grupo de colegas de força-tarefa. “Falei com russo”, explicou, usando o apelido pelo qual Moro era tratado.
Em 2017, durante outro episódio, o ex-juiz cobrou Dallagnol sobre uma tentativa de adiar o primeiro depoimento de Lula como réu em Curitiba. O pedido da defesa para reagendar o interrogatório acabaria sendo negado mais tarde pela Justiça: “que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando”, escreveu Moro ao procurador. “Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem”, continuou.
Uma outra ocorrência da Lava Jato abordada na troca de mensagens é o pedido de entrevista com o ex-presidente na prisão, impedido pela Justiça no ano passado. Conforme as conversas reproduzidas pelo Intercept, procuradores do MPF envolvidos na Lava Jato reagiram com indignação à decisão do STF de autorizar a Folha de São Paulo a entrevistar Lula pouco antes do primeiro turno. Derrubada no mesmo dia, a permissão só voltaria a ser concedida pela corte neste ano — o jornal entrevistou o petista em abril.
No ano passado, no dia da decisão favorável, a procuradora Laura Tessler escreveu no grupo de membros do MPF: “Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo [colunista da Folha de SP], pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…”. Já a procuradora Isabel Groba respondeu: “mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”. Na sequência,Tessler afirmou: “Sei lá… mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad”, referindo-se ao candidato que substituiu o ex-presidente na campanha do PT, Fernando Haddad. Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal adotasse uma manobra para adiar a entrevista para depois da eleição, sem que tivesse de descumprir a decisão da Justiça: “n tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao. E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro”, afirmou Costa.
Em outra mensagem, de março de 2016, Dallagnol cumprimentou Moro pelo fato de o então juiz ter sido destaque em manifestações de rua pelo país que pediam a saída de Dilma. “E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […]”, escreveu o procurador ao juiz. Sergio Moro informou que havia feito uma manifestação oficial sobre o tema. “Parabens a todos nós”, acrescentou.
Na sequência, o ex-juiz emitiu opinião sobre o momento político do país: “Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos”. As conversas tornadas públicas sugerem ainda dúvidas de membros do MPF quanto à denúncia contra Lula no caso do triplex do Guarujá, que acabou levando o ex-presidente à prisão. Alguns dias antes da apresentação da denúncia da Procuradoria, Dallagnol afirmou em um grupo que tinha receio sobre pontos da peça jurídica, como a relação entre os desvios na Petrobras e a acusação de enriquecimento: “falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu o procurador.
Um dia depois, Dallagnol se expressou com entusiasmo ao tomar conhecimento de uma reportagem do jornal O Globo que poderia sustentar a acusação. Durante a noite de um sábado, ele escreveu: “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso”. Na véspera da denúncia contra Lula, o representante do MPF afirmou em um grupo: “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão”.
Dias depois, ele comentou em mensagem direta a Moro: “A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”.
Em outro dia, enquanto procuradores eram atacados por causa de pontos considerados frágeis na denúncia, o ex-juiz e hoje ministro enviou palavras de apoio a Dallagnol: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”.
O material divulgado pelo Intercept permite também se ter uma ideia sobre o planejamento do repercutido PowerPoint contra Lula, que o procurador do MPF exibiu ao comentar a denúncia: “acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, escreveu Dallagnol em grupo, dias antes de apresentar a tela com o esquema.
Veja a declaração de Sergio Moro e Deltan Dallagnol:
Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato. Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas. Abaixo nota.https://t.co/PevIk4BGX6
— Sergio Moro (@SF_Moro) June 10, 2019
“Os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. https://t.co/cTcm0qmKdo
— Deltan Dallagnol (@deltanmd) June 9, 2019